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    Irmã mais velha de Sérgio Sant'Anna, Sonia prepara livro sobre Luiz Gama

    MARCO RODRIGO ALMEIDA
    DE SÃO PAULO

    06/06/2015 02h01

    Um velho ditado diz que os Sant'Annas já nascem com a caneta na mão. Provavelmente a origem é bíblica -santa Ana, avó de Jesus Cristo, ganhou o título de padroeira dos estudantes e da promoção da leitura por seu empenho na educação da filha e do neto.

    Pelo menos para uma família específica, o gracejo não é tão exagerado assim.

    O casal Sebastião e Maria José Sant'Anna e Silva gerou uma prole de escritores a partir do final dos anos 1930.

    A ordem de nascimento, no caso, é inversamente proporcional ao prestígio literário.

    Ricardo Borges/Folhapress
    A escritora Sonia Sant'Anna em seu apartamento no Rio
    A escritora Sonia Sant'Anna em seu apartamento no Rio

    O caçula da família é Sérgio Sant'Anna, 73, exímio contista e um dos principais escritores vivos do país, reputação que vem construindo com louvores desde os anos 1960.

    Três décadas depois, o filho do meio, Ivan, 75, despontou na cena literária com romances policiais e livros sobre acidentes de avião.

    Tal dupla na mesma família, um mestre da língua e um best-seller, já parecia ficção demais para ser realidade. Mas eis que um nome feminino nas capas de livros revelou que os irmãos/escritores Sant'Anna são, na verdade, uma dupla de três integrantes.

    Sonia, 77, é a filha mais velha, mas foi a última a se aventurar na literatura. Publicou o primeiro livro, "Inconfidências Mineiras" (Zahar), em 2000, quando já tinha 62 anos.

    Editoria de Arte/Folhapress

    A primogênita da família especializou-se em romances históricos. Depois da estreia, publicou mais quatro: "Barões e Escravos do Café" (Zahar, 2001), "Memórias de um Bandeirante" (Global, 2001), "Leopoldina e Pedro 1º" (Zahar, 2004) e "Degredado em Santa Cruz" (FTD, 2009).

    Sobre "Leopoldina", a historiadora Isabel Lustosa escreveu que o livro é bem narrado e muito bem pesquisado.

    O sexto romance de Sonia, sobre o abolicionista Luiz Gama (1830-82), já foi concluído, mas ainda não tem editora.

    "Não sou historiadora, mas amo história de paixão, desde pequena", conta Sonia.

    "Li uma vez que a matéria mais odiada nos colégios, depois de matemática, é a história. Isso ocorre porque é ensinada de maneira chata. Tento narrar de uma forma interessante, com alguma invenção, mas sem deturpar os fatos."

    O romance histórico foi o caminho encontrado por ela para romper o bloqueio criativo. "Foi o que sobrou, o que meus irmãos não faziam", diz.

    Durante a infância e começo da adolescência dos três, a história literária dos Sant'Annas parecia encaminhada para um rumo bem diferente.

    Degredado em Santa Cruz
    Sonia Sant'Anna
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    Sonia era então a filha intelectual da família. Gostava de ler e escrever, enquanto os irmãos só queriam saber de clube, futebol e Fluminense.

    Quando viveram em Londres, nos anos 1950, Sonia tirou o segundo lugar nas aulas de inglês. Dava banho em gramática nas próprias inglesas.

    Eram favas contadas que a "pequena gênio" seria a escritora da família. Perdeu, no entanto, o posto para o irmão caçula.

    A ANGÚSTIA DA INFLUÊNCIA

    O crítico literário Harold Bloom cunhou a expressão "angústia da influência", nome também de seu livro mais conhecido, para retratar o embate do jovem autor em busca de sua voz própria, contra a força esmagadora dos escritores precursores.

    O efeito pode ser paralisante. Para Sonia Sant'Anna havia ainda dois agravantes -o "concorrente" não era um escritor de séculos passados, de pincenê, cartola e bengala, mas sim um jovem de 20 e poucos anos que dormia no quarto ao lado.

    "Fiquei puta da vida quando o Sérgio começou a publicar. Eu pensei: o que sou eu diante desse gênio? O talento dele me inibiu."

    Os Sant'Annas moravam em Belo Horizonte (MG) quando Sérgio começou a dar os primeiros passos literários, em meados dos anos 1960. Publicava seus contos inicias em suplementos literários. A estreia em livro foi em 1969, com os contos de "O Sobrevivente", bancado por conta própria.

    Para aumentar o infortúnio de Sonia, nessa época ela também preparava um livro de contos, por fim recusado por duas editoras. Foi o bastante para sepultar sua ambição artística por um longo período. "Não foi fácil ser irmã do Sérgio", reconhece.

    Sonia casou-se com um advogado mineiro bem-sucedido e conformou-se a "uma vida bem doméstica". Viviam no Rio, com os dois filhos, numa bela cobertura em Ipanema.

    O casamento acabou 19 anos depois. Sonia tinha 44 anos e nunca havia trabalhado até então. "Eu não sabia fazer nada, nem preencher um cheque. Mulher na minha época era criada para ser dona de casa. Tive que me virar."

    Resolveu encarar o desafio. Dispensou a pensão do marido e começou a trabalhar como artesã joalheira. Montou uma loja com o famoso joalheiro Caio Mourão, mas o negócio faliu pouco depois.

    Sonia voltou ao mundo da literatura no começo dos anos 1990, quando Ivan, o irmão do meio, resolveu ser escritor também e pediu ajuda a ela.

    Ivan trabalhava no mercado financeiro, tinha muita imaginação, mas nenhuma experiência de escrita.

    Sonia foi a editora particular de Ivan durante toda a escrita do romance "Os Mercadores da Noite" (1997). Outro irmão a ultrapassava, mas a experiência serviu para resgatar seu prazer pela literatura.

    "E então o diabo do André, filho do Sérgio, começou a publicar também. Aí eu decidi: dane-se, eu vou escrever alguma coisa."

    Deixou os contos de lado, uniu a escrita com seu gosto pela pesquisa e enveredou pela ficção histórica.

    Curiosamente, hoje Sonia chega às vezes a vender mais que Sérgio. Isso porque os livros dela, alguns com foco no público infantojuvenil, são comprados pelo governo e distribuídos nas escolas.

    "O Sérgio vende menos que o Ivan e eu porque é o melhor. Alta cultura não vende por aqui. Basta ver na música: quem vende mais, dupla sertaneja ou Wagner Tiso?"

    Sonia seria então a dupla sertaneja?

    "Não", diz, aos risos. "Estou no meio do caminho. Sei que não estou no nível do Sérgio, mas faço um trabalho honesto e bem-feito."

    Para evitar mágoas, os três irmãos mantêm um acordo tácito -um não dá palpite na escrita dos outros dois e não faz comentários muito extensos depois de ler os livros.

    À Folha, Sérgio disse gostar do estilo dos irmãos. "Ivan escreve muito bem sobre aviões e o mercado financeiro. E Sonia tem uma simplicidade que é o trunfo dela."

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