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    CRÍTICA

    Edição notável de cartas revê últimos anos de Machado de Assis

    JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    20/06/2015 02h35

    Em carta de 19 de julho de 1908, respondendo à mensagem de José Veríssimo, na qual o crítico comentava a impressão causada pela leitura de "Memorial de Aires", Machado de Assis confessou: "O livro é derradeiro; já não estou em idade de folias literárias nem outras". Esse é o tom dos últimos anos do autor de "Memórias Póstumas de Brás Cubas".

    Alguns meses antes, Machado começou a preparar sua despedida. Em 21 de abril, em carta a Veríssimo, depois de duvidar do valor de sua correspondência, concordou com solicitação do amigo, concedendo "autorização de recolher e a liberdade de reproduzir as letras que lhe pareçam merecer divulgação póstuma".

    Divulgação
    Selo lançado nos 50 anos da morte de Machado de Assis, em 1958.
    Selo lançado nos 50 anos da morte de Machado de Assis, em 1958.

    A anuência foi finalmente materializada com a publicação do último tomo da "Correspondência de Machado de Assis". Trata-se de feito editorial notável, realizado sob a coordenação e orientação de Sergio Paulo Rouanet.

    A série de cinco volumes foi muito enriquecida pelo excepcional trabalho, levado a cabo por Irene Moutinho e Sílvia Eleutério, de reunião do material e de pesquisa para a confecção de esclarecedoras notas.

    O coordenador resumiu o valor da iniciativa: "Com 340 documentos, incluindo cartas, cartões e telegramas, este quinto e último tomo é o mais volumoso da série, que abrange assim, no total, 1.178 itens".

    Três eixos principais definem o universo machadiano nesses anos derradeiros.

    Em papéis avulsos dessa ordem, dominam temas pessoais, com destaque para a troca franca e fraterna com Mário de Alencar, na qual aparecem comentários sobre a epilepsia. Na carta de 29 de agosto de 1908, Machado revelou ao jovem amigo: "Reli uma página da biografia do Flaubert; achei a mesma solidão e tristeza e até o mesmo mal, como sabe, o outro...".

    A preocupação com o perfil da Academia Brasileira de Letras assume dimensão própria. Rouanet, com sua agudeza habitual, abriu um novo caminho de pesquisa: "Por pressão de [Barão do] Rio Branco [diplomata e historiador], eleito para a ABL em outubro de 1898, ela se tornaria um instrumento de política externa".

    Os paralelos com o Brasil de hoje são saborosos: de um lado, visitantes ilustres foram convidados, e, de outro, o Rio de Janeiro tornou-se a sede de eventos internacionais.

    Na avaliação de Rouanet: "Machado encarna com perfeição o papel de um diplomata infiltrado que não sabe ainda se quer ser um estadista, como Nabuco, ou um simples observador de vidas alheias, como o Conselheiro Aires".

    O interesse maior reside na gênese e primeira recepção do "Memorial de Aires". Em 16 de dezembro de 1907, Mário de Alencar duvidava da própria sorte: "A emoção e o orgulho de ter em mãos (...) por espontâneo oferecimento seu, o exemplar em provas de um romance não conhecido nem lido de ninguém".

    Nas três páginas dessa importante missiva, encontra-se a primeira reação ao livro, assim como a identificação de Carolina como inspiração para a personagem Dona Carmo: "Eu, que adivinhei o modelo, li-o comovido".

    Os cinco tomos da "Correspondência de Machado de Assis" representam a maior contribuição recente aos estudos machadianos. Impõe-se aos pesquisadores a tarefa de imaginar novos ângulos de estudo a partir desse material.

    CORRESPONDÊNCIA DE MACHADO DE ASSIS - TOMO 5
    ORGANIZADOR Sergio Paulo Rouanet
    EDITORA Academia Brasileira de Letras
    QUANTO R$ 90 (546 págs.)
    AVALIAÇÃO ótimo

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