• Ilustrada

    Saturday, 27-Apr-2024 08:57:45 -03

    Performance que expõe negros como animais vem ao país e causa polêmica

    GUSTAVO FIORATTI
    DE COLABORAÇÃO PARA FOLHA

    26/06/2015 02h00

    O encenador Brett Bailey está em São Paulo, e sua presença não passou despercebida. Nesta semana, ativistas de movimentos antirracistas iniciaram ataques ao artista sul-africano, por ora apenas nas redes sociais.

    A razão da visita de Bailey é um conjunto de ações que visa preparar o terreno para a apresentação, em março do ano que vem, de seu polêmico "Exhibit B", um trabalho entre a performance e a exposição de arte que remonta aos zoos humanos realizados com negros na Europa no século 19 e no século 20.

    Nas exibições, os espectadores, quase sempre solitariamente, passam por ambientes onde atores negros protagonizam situações que procuram, segundo o discurso do artista, abordar a opressão histórica sofrida pelos afrodescendentes. Há, por exemplo, a figura de uma mulher presa por correntes.

    Murdo Macleod
    "Exhibit B" em apresentação no Festival de Edimburgo, em agosto de 2014.
    "Exhibit B" em apresentação no Festival de Edimburgo, em agosto de 2014

    O lugar que abrigará a performance em São Paulo ainda não foi escolhido. Bailey está visitando imóveis que possam servir-lhe de palco. O espetáculo também deve ir ao Rio, a Belo Horizonte e a Fortaleza (leia à esquerda texto do produtor responsável pela peça na cidade).

    Nesta terça (23) e na quarta (24), em São Paulo, audições foram feitas para a escolha do elenco regional da peça, programada pela curadoria da terceira edição da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, a MITsp.

    Cerca de cem atores negros compareceram às sessões, onde Bailey, que é branco, expôs sua ideia, exibiu vídeos e falou sobre os conflitos criados com movimentos antirracistas.

    "Exhibit B" já passou por 17 cidades mundo afora, desde 2010, e enfrentou protestos em Paris e em Londres. Por pressão de ativistas negros, a apresentação na capital inglesa, que seria realizada no ano passado, foi cancelada.

    Bailey falou com exclusividade à Folha no hotel onde está hospedado na avenida Paulista. Para ele, sua peça é antirracista, não o contrário. "A intenção é denunciar o racismo", diz. Os protestos, no entanto, levaram-no a rever seu método de criação.

    "Depois de Londres, meu processo se transformou um pouco. Agora, se vou ao Rio, a Belo Horizonte ou a São Paulo, preciso encontrar ativistas dessas cidades, colocá-los a par do que estou fazendo, de onde eu venho e por que estou fazendo isso. Preciso manter esse diálogo aberto", diz. Nesta semana, o artista se reuniu com ativistas locais.

    Dois deles se recusaram a dar entrevista. Em sua página no Facebook, um deles escreveu: "Racistas não passarão! Isso não é visibilidade, não é empoderamento! Chorando vendo gente compartilhando e marcando pessoas pra participar disso. Não!".

    Oito candidatos à "Exhibit B" também se recusaram a falar com a reportagem ao serem abordados, na quarta (24), na porta da Oficina Cultural Oswald de Andrade, local das audições.

    Dois toparam. A atriz Eliane Santos, 44, afirma: "A peça não é racista. Por mais que eu vá apanhar [por estar dizendo isso]". O ator Jorge Neto, 25, diz que, após as audições, se sente disposto a participar da peça.

    Bailey diz compreender "completamente" o ponto dos ataques. "O problema é que tanto em Londres como em Paris eles [os ativistas] se recusaram a ver a performance. Eles olham uma foto e dizem, 'esse trabalho é racista'", diz. "Em Paris, dois líderes acabaram vendo a peça e depois nos pediram desculpas, disseram que a peça lhes dava dignidade e não o contrário", defende-se.

    É uma situação que se assemelha à da peça "A Mulher do Trem", do grupo Os Fofos Encenam, cuja sessão em São Paulo foi cancelada após pressão de ativistas negros. O espetáculo fazia uso do blackface – maquiagem de rosto preta, disseminada no século 19, que representa personagens negros.

    "No Brasil, já temos inúmeros racistas autores de novelas, editores de revistas para importarmos mais um racista para o nosso teatro", diz a ativista Etiene Martins, 31, que esteve com Bailey em uma reunião em Belo Horizonte.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024