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    Mostra no Masp revê as joias da arte italiana de seu acervo

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    26/06/2015 02h15

    Um bebê se equilibra num parapeito, no limite entre o quadro e o mundo real. Suas mãozinhas no pescoço da mãe também estão entre a carícia e um gesto meio agressivo, quase um estrangulamento. Nessa tela de Giovanni Bellini, do século 15, o menino Jesus e a Virgem Maria passam longe da ternura, habitando o plano frio e distante do divino.

    Fora a alegoria religiosa, o artista veneziano construiu ali uma arquitetura atípica, calcada nos avanços do estudo da perspectiva que marcaram o Renascimento. Seria algo como o cinema 3D atual, de planos que saltam para fora da tela e paisagens ancoradas na ideia de assombro –o espetáculo da técnica.

    Uma das obras do rico acervo de arte italiana do Masp, o quadro de Bellini se junta agora a cerca de 30 peças numa exposição que repassa todo o auge do Renascimento e os primórdios do barroco na coleção do museu, ou seja, de Rafael a Ticiano.

    Do século 13 ao 18, a arte italiana foi se distanciando do estilo gótico, marcado pela dureza dos traços e ainda sem a ilusão de profundidade de campo, para adentrar uma onda de experimentações radicais.

    Foi então que artistas aperfeiçoaram as noções de perspectiva e refinaram o retrato do corpo humano, que perde o aspecto pétreo das esculturas e ganha certa carnalidade –um avanço creditado ao surgimento da tinta a óleo.

    Nesse sentido, Andrea Mantegna, cunhado de Bellini, tem em seu "São Jerônimo Penitente no Deserto", tela de meados do século 15, uma obra de transição. Retratado numa gruta, seu personagem tem traços que lembram a dureza das pedras, numa espécie de arquitetura humana ainda longe da exuberância de um Botticelli, Perugino ou Rafael.

    SENSAÇÃO

    Um dos maiores mestres renascentistas, Rafael tem na mostra um trabalho controverso. Sua "Ressurreição", em que Cristo aparece flutuando sobre a tumba, rodeado de querubins no céu e soldados com ar de espanto no chão, é uma das obras mais emblemáticas do acervo do museu, mas por muitos anos teve a sua autoria posta em dúvida.

    Documentos agora expostos junto do quadro comprado em Nova York por Pietro Maria Bardi, um dos fundadores do museu, narram o caso. Num telegrama, Bardi contava que a tela estava "causando sensação" nos Estados Unidos e que o crítico italiano Roberto Longhi publicaria um estudo sobre ela, sepultando os questionamentos.

    Longhi, aliás, também acabaria reconhecendo a autenticidade de outra obra do Masp, o são Sebastião de Perugino.

    Uma outra versão, do fim do século 15, da tela agora em São Paulo já existia em Paris, mas foi o historiador italiano quem identificou no acervo brasileiro uma réplica feita pelo artista 15 anos depois, reconhecendo, no entanto, que as colunas atrás do santo seriam obra de seus discípulos pela falta de requinte nos ornamentos.

    Nesse ponto, mais do que tirar do armário algumas joias do acervo, o Masp se esforça para situar cada peça na história do museu, uma parte de um amplo processo de revisão de sua trajetória em curso desde que a direção da instituição mudou no ano passado.

    Mais arejada, a mostra no subsolo do museu, antes fora da rota das obras dos grandes mestres e agora repaginado sem as paredes falsas que escondiam a visão do vale da avenida Nove de Julho, rearticula o acervo à luz da história da instituição.

    Além de Rafael e Perugino, mestres da escola florentina, calcada na precisão do desenho, o Masp arremata a seleção italiana com Ticiano e Tintoretto, nomes fortes da escola veneziana, famosa pelo uso carregado da cor e a um passo da teatralidade do barroco.

    "Rafael e Perugino tentavam causar comoção pelo equilíbrio e pela harmonia", diz Tomás Toledo, que organiza a mostra. "Já a escola veneziana trocava o modelo pela cor, por algo mais emotivo."

    ARTE DA ITÁLIA
    QUANDO de ter. a dom., das 10h às 18h; qui., até 20h; até 20/9
    ONDE Masp, av. Paulista, 1.578, tel. (11) 3251-5644
    QUANTO R$ 25

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