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    Precursor da bossa nova, Garoto é tema de filme em centenário

    RONALDO EVANGELISTA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    29/06/2015 02h07

    As notas escorregam claras, fraseando melodias marcantes sobre harmonias espertas e ritmos balançados, mãos direita e esquerda em perfeita harmonia.

    Bons violonistas havia, mas quando Garoto tocava era algo mais, como uma viagem no tempo, direto ao futuro.

    Cem anos depois de seu nascimento -efeméride comemorada no domingo (28/6)- o futuro continua chegando a cada audição de sua obra.

    Acervo/Jorge Mello
    Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto, com troféu e cavaquinho nos anos 1950
    Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto, com troféu e cavaquinho nos anos 1950

    Muito de sua expressividade era criada no calor do momento, em apresentações ao vivo em rádios como Record e Mayrink Veiga. O pouco que existe em discos revela o tamanho da criatividade.

    Mesmo com sua precoce morte, as 39 anos, em 1955, Garoto construiu uma carreira de lendas. Como solista, chegou a ser estrela da grande Rádio Nacional.

    Acompanhante disputado, gravou com Silvio Caldas, Carmen Miranda, Moreira da Silva, Luiz Gonzaga. Compositor memorável, deixou registrados choros (como "Gente Humilde", que depois ganharia letra de Vinicius de Moraes e Chico Buarque) e canções (como "Duas Contas", até hoje clássico dos repertórios românticos).

    Nascido Aníbal Augusto Sardinha, Garoto conquistou o apelido que lhe acompanharia toda a vida pela precocidade -de criança já tocava, aos 11 integrava seus primeiros conjuntos, ao 15 já gravava em discos e se apresentava no rádio.

    Com sua sonoridade de violão clássico, mas com gosto popular, colocava sua destreza a serviço de diversos instrumentos, demonstrando sua naturalidade musical.

    "Garoto tocava 14 instrumentos de cordas", observa Lucas Nobile, pesquisador que participa da produção do documentário "Garoto, o Gênio das Cordas", com estreia prevista para 2016. "Há gravações dele em quase todos -não arranhando, como se diz, mas com um domínio técnico impressionante. Cavaquinho, bandolim, violão, guitarra havaiana, guitarra portuguesa e o violão tenor dinâmico, seu carro-chefe."

    Com seu estilo divisor de águas, Garoto introduziu no violão harmonias, intenções e raciocínios típicos do jazz, surpreendentes para a época, fazendo a ponte para a modernização pela qual a música brasileira passou nos anos 50.

    Foi tão importante para a geração de Baden Powell, Luiz Bonfá e Tom Jobim que chegou-se a dizer que "Desafinado" tinha um tanto de sua origem em "Relógio da Vovó", que Garoto havia gravado com o revolucionário Trio Surdina.

    A clareza do toque e a inteligência dos ritmos de Garoto foram especialmente influentes para o violão de João Gilberto.

    "Garoto tem um leque muito grande", comenta Jorge Melo, autor do livro "Gente Humilde - Vida e Música de Garoto", que prepara agora para futuro lançamento a coleção de partituras "Garoto em Pauta".

    "Ele foi um multi-instrumentista fantástico, e além disso foi a pessoa que reformulou a linguagem harmônica do violão brasileiro. Ele conseguia se desvencilhar de clichês e tinha um espírito inovador. Garoto influenciou músicos como João Gilberto, mas sua musicalidade ia além, o que ele fez transcende a bossa nova."

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