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    Erotismo abre os debates sobre Mário de Andrade na Flip 2015

    RAQUEL COZER
    COLUNISTA DA FOLHA

    01/07/2015 02h15

    Do famigerado "Almanaque do Ânus", que Olavo Bilac e Coelho Neto teriam publicado de maneira anônima em algum momento do século 19, não foi possível encontrar prova de existência –muitos comentam, mas ninguém sabe, ninguém viu.

    Mas os quase dez anos em que Eliane Robert Moraes, 63, escarafunchou a produção mais devassa de poetas do país renderam achados que darão o que falar na 13ª edição da Flip, a partir desta quarta (1º), em Paraty. A professora da USP, especializada em literatura erótica, participará de duas mesas.

    Numa delas, às 21h30 de sexta (3), com o escritor Reinaldo Moraes, Eliane comentará a pesquisa que originou sua "Antologia da Poesia Erótica Brasileira" (Ateliê Editorial), com mais de 250 poemas de cerca de 130 autores.

    "Quase todo autor escreveu alguma coisa erótica, seja de maneira velada, como o Gonçalves Dias, ou escancarada, como a Hilda Hilst", afirma ela, que fez até uma busca infrutífera por vestígios de pornografia nos versos de Cecília Meireles. "Procurei muito, mas não achei. De repente, se alguém procurar mais, acaba encontrando."

    Na outra mesa –de abertura da Flip, nesta quarta, às 19h, com a ensaísta argentina Beatriz Sarlo e o filósofo carioca Eduardo Jardim–, a paulistana discorrerá sobre o autor que, há 89 anos, lançou a faísca para sua ideia de organizar a antologia: Mário de Andrade (1893-1945), o homenageado desta edição.

    Foi ao ler um esboço de prefácio escrito pelo autor em 1926 para "Macunaíma" que a especialista notou a ausência de um "erotismo literário sistematizado no país".

    No texto, Mário associa o erotismo no Brasil à cultura popular ("Já falam que, se três brasileiros estão juntos, estão falando porcaria") e ressalta a existência de uma "pornografia desorganizada", em contraponto a formas ordenadas pelos "alemães científicos, franceses de sociedade, gregos filosóficos".

    "O Brasil é associado ao erotismo, nossa imagem passa por isso, mas faltou organizar, talvez até por preconceito de pôr em livro as porcarias que falamos", diz Eliane.

    No debate desta quarta, ela defenderá a tese de que o erotismo da obra de Mário acabou "meio escondido em razão da própria homossexualidade dele ficar escondida".

    "Tudo o que tinha a ver com sexo virou tabu entre estudiosos de Mário", afirma. "Mas ele deu muita atenção a isso. Se você pegar dois livros essenciais dele, 'Macunaíma' e 'Amar, Verbo Intransitivo', muito distintos um do outro, verá que têm o erotismo como questão central."

    'APETITOSAS'

    A antologia tem de Gregório de Matos, com quatro amostras de sua produção maldita, ao insuspeito Hermínio Bello de Carvalho, que também estará na Flip e assina versos como "Tuas nádegas as tenho aqui, especialmente/ selvagens e apetitosas/ e gravo-as amorosamente no toucinho e hortelã".

    As 500 páginas trazem ainda nomes como Fagundes Varella ("A vida sem o gozo é como o dia/ Que desponta nublado e assim se esconde"), Pedro Nava ("Mas eu cogitava nos seios da moça.../ Seriam tetas? Seriam mamões?") e Paulo Leminski ("calma calma/ logo mais a gente goza/ perto do osso/ a carne é mais gostosa").

    Duas ausências notáveis do volume são Manuel Bandeira, cujos herdeiros não atenderam aos apelos de Eliane, e Oswald de Andrade, que só teria versos liberados mediante um valor "inviável".

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