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    Roberto Saviano, desfalque na Flip, diz que vir ao Brasil seria arriscado

    FERNANDA ODILLA
    ENVIADA ESPECIAL A BRISTOL (INGLATERRA)

    01/07/2015 02h00

    Num raro momento de liberdade e de autoexposição, o escritor italiano Roberto Saviano, 35, postou uma "selfie" na tarde desta terça-feira (30) na sua conta do Twitter com a singela legenda "sol em Londres" e um olhar um tanto quanto desafiador, tal qual seus dois livros nos quais escancara detalhes do mundo do crime organizado.

    Saviano, que desde 2006 está jurado de morte pela máfia italiana e vive numa espécie de exílio semiclandestino, aproveitou para anunciar na rede social, em inglês e italiano, sua agenda para esta semana em Bristol e Londres, na Inglaterra.

    Reprodução
    Retrato de Roberto Saviano em Londres, antes de participar de palestra em Bristol (Festival of Ideas); foto foi postada no Twitter.
    Retrato de Roberto Saviano em Londres, antes de participar de palestra em Bristol (Festival of Ideas); foto foi postada no Twitter.

    Por ora, o Brasil está mesmo definitivamente fora dos compromissos do escritor para falar de "Gomorra" (Bertrand Brasil), livro que descreve as muitas conexões da máfia napolitana e lhe rendeu ameaças de morte, e do mais recente "Zero Zero Zero" (Companhia das Letras), que expõe rotas do tráfico de cocaína e seus rastros de sangue mundo afora.

    "O Brasil é uma situação complexa. Espero que possa ir para lá. Mas é considerado um lugar mais arriscado que o Reino Unido, por exemplo", explicou, ao ser questionado pela Folha sobre a decisão de cancelar sua participação na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que será aberta nesta quarta (1º).

    Ele disse que, depois de muitos anos, esteve recentemente em Casal di Principe, casa do clã mais poderoso da máfia napolitana Camorra, e, por isso, está evitando visitar lugares potencialmente mais arriscados por recomendação das autoridades italianas.

    A ausência de Saviano na Flip –que, em meio à crise, terá o menor orçamento dos últimos dez anos, de R$ 7,4 milhões– desfalcou o encontro literário da principal atração desta 13ª edição.

    Distante 9.300 km em linha reta do Brasil, Saviano disse, durante bate-papo no Festival de Ideias de Bristol, que nunca pensou que teria que levar uma vida cercada de tantos cuidados e limitações.

    "Todo jovem soldado não pensa, vai para o campo de batalha sabendo vai viver ou morrer. Não pensa que pode perder um pé, uma perna. Como todo imbecil, também pensei: ou me matam ou sobrevivo. Eles não me mataram, mas não me deixam viver", afirmou.

    Saviano leva uma vida "à prova de balas", sem meio termo. Ou está totalmente sozinho, em cubículos alugados por curtas temporadas e quartos de hotel, ou cercado por seguranças em aparições públicas para falar e vender suas obras.

    Na noite desta terça em Bristol, cinco seguranças –um de cada lado do palco e três nos fundos– observavam atentos cada movimento da plateia. Um sexto segurança, à paisana e integrante da equipe que viaja com Saviano, também estava no local.

    Cerca de 450 pessoas pagaram o equivalente a R$ 35 para ver, ouvir e fazer perguntas ao autor em Bristol. Também puderam ganhar um autógrafo. Foi feita uma breve e limitada fila, sob o olhar atento de quatro dos homens e de outras duas mulheres.

    O italiano aceitou participar do Festival de Ideias no interior da Inglaterra por considerar Bristol uma cidade potencialmente de baixo risco.

    Ainda assim, os organizadores do festival precisaram reforçar a segurança para o local que, tradicionalmente, é palco de conferências e casamentos singelos.

    Foi preciso contratar guarda-costas, elaborar um plano para ele chegar somente minutos antes do evento começar e traçar rotas de saída emergenciais caso algo acontecesse com o escritor. Ele entrou e saiu por uma porta diferente da do público.

    Em sua palestra, cujo título foi "A Guerra Contra o Crime Organizado", Saviano defendeu a legalização das drogas como a melhor forma de enfrentar os carteis, arrancando aplausos da plateia.

    Descreveu em detalhes os efeitos e as ondas da cocaína, da heroína e da metanfetamina. Ele disse que estudou muito para escrever sobre seu livro sobre a cocaína.

    Também detalhou como organizações criminosas mexicanas se fortaleceram com a queda dos carteis colombianos. Explicou que Peru, México e Bolívia são os maiores produtores de pó num lucrativo negócio que conecta o mundo.

    Divulgação
    Livro mostra como a cocaína conecta os principais pontos comerciais do mundo
    Livro mostra como a cocaína conecta os principais pontos comerciais do mundo

    "Se o tráfico de cocaína fosse uma pessoa, a carteira estaria em Londres e o coração, no México". Tudo isso está no livro, vendido a cerca de R$ 100 durante o evento –no Brasil, "Zero Zero Zero" é publicado pela Companhia das Letras e custa R$ 54 (408 págs.).

    O escritor citou suas principais influencias literárias, entre as quais o americano Truman Capote (1924-1984) e o italiano Primo Levi (1919-1987). Diz que faz questão de escrever histórias reais com um estilo literário ("Ponho muito meu estômago no que escrevo") e que quer provocar reações nos leitores, entre elas raiva e nojo.

    E revelou que policiais são suas principais fontes de informação, mas não as únicas.

    A respeito da vida semiclandestina, o escritor falou com uma certa melancolia sobre antes e depois de "Gomorra" –conta que ficou mais difícil ir e vir, mas que o sucesso do livro abriu portas junto a autoridades, por exemplo.

    Desde que lançou a obra, em 2006, passou a viver escondido, fugindo de sua própria morte. Seu livro sobre a máfia napolitana Camorra e suas conexões vendeu dez milhões de cópias, foi traduzido para 50 idiomas, virou filme e seriado de televisão.

    Alberto Estévez - 4.fev.2009/Efe
    Roberto Saviano cancelou sua participação na Flip 2015, alegando razões de segurança.
    Roberto Saviano cancelou sua participação na Flip 2015, alegando razões de segurança.

    NASCIMENTO
    Em 22/7/1979, em Nápoles (Itália)

    'GOMORRA'
    Publicado em 2006, o livro retrata a atuação da máfia italiana e suas relações com a instituições. No Brasil, foi lançado pela Bertrand (R$ 45; 350 págs.)

    ESCOLTA
    Jurado de morte pela máfia, desde então é protegido por sete guarda-costas, que se alternam em dois carros blindados

    CINEMA
    "Gomorra" deu origem a filme homônimo em 2008, premiado em Cannes

    OUTRO LIVROS
    "A Máquina da Lama" (2012) e "Zero Zero Zero" (2014), ambos pela Companhia das Letras

    FAMIGLIA
    Líderes dos Casalesi, que ameaçaram o escritor, foram presos em março

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