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    Em centenário do artista, exposição sobre Tadeusz Kantor chega ao Brasil

    NELSON DE SÁ
    ENVIADO ESPECIAL À POLÔNIA

    02/07/2015 02h00

    Tadeusz Kantor nasceu em 1915, mal começava a Primeira Guerra. Viu invasões alemãs e russas; Segunda Guerra e Auschwitz, onde morreu seu pai; o domínio soviético. Morreu em 1990, quando caía o Muro de Berlim. Atravessou a opressão e o horror.

    "Kantor é o século 20", resume Lech Stangret, sobrinho, ator em suas principais peças e que hoje integra a Galeria Foksal, na qual Kantor criou suas primeiras grandes obras. A galeria fornece algumas das imagens que estarão em exposição ao longo do segundo semestre, no Sesc.

    Divulgação
    O pintor, autor, cenógrafo e encenador polonês Tadeusz Kantor (1915-1990).
    O pintor, autor, cenógrafo e encenador polonês Tadeusz Kantor (1915-1990).

    Kantor passou despercebido quando estreou no Brasil, na Bienal de 1967, com a série de pinturas "Emballage", apresentada meses antes na Foksal. Embora tenha levado o segundo prêmio na categoria, não se falou dele nos jornais. Não deixou rastro.

    Oito anos depois, a peça "A Classe Morta" estreou em Londres, depois Nova York e ecoou pelo mundo –Brasil inclusive, nos teatros de Antunes Filho, para quem ver Kantor no fim dos anos 1970 havia mudado sua vida, e Gerald Thomas, que o descreveu como sua maior influência.

    A mostra em São Paulo será a maior já realizada fora da Polônia, segundo os organizadores, e dá nova chance à cidade. Suas proporções se devem aos cem anos de nascimento e aos 25 de morte do criador do "Teatro da Morte".

    Esse é o título do mais conhecido dos 13 manifestos que escreveu e também o nome do livro publicado em 2008 no Brasil, reunindo seus principais escritos teóricos (Edições Sesc SP, 276 págs., R$ 55).

    Outras programações acontecem em EUA, Reino Unido, França, Alemanha, China e Japão. Em Nova York, o Wooster Group inicia a produção de "Hoje É Meu Aniversário", última peça de Kantor, que morreu após o último ensaio. Será a primeira remontagem de um texto seu já autorizada pela família.

    MÁQUINA

    O espaço de "Máquina Tadeusz Kantor", um emaranhado de escadas, corredores e salas, está sendo construído no Sesc Consolação, dividido por fases como "Informal" e "Impossível". Quando a Folha foi à Cricoteka, instituição que reúne a maior parte das obras de Kantor em Cracóvia, muitas já estavam a caminho.

    "Vamos esvaziar a Cricoteka", brinca Jaroslaw Suchan, cocurador da mostra e diretor do Museu Sztuki, referência de arte moderna no país. Enfatiza que Kantor produziu uma obra de arte total, "Gesamtkunstwerk", e que o Brasil precisa conhecê-lo para além do homem de teatro.

    O cocurador brasileiro, Ricardo Muniz Fernandes, diz que a mostra visa "entender a obra como uma máquina ainda em funcionamento", não morta. O plano curatorial e arquitetônico vai levar o espectador a "entrar na máquina e ser atravessado por ela".

    Um quarto de século após sua morte, o teatro polonês, segundo artistas e críticos ouvidos no país, começa a perder a reverência e arriscar abordagens. A chefe de pesquisa do Instituto do Teatro, Agata Admiecka, destaca livro recém-lançado que identifica um Kantor político, testemunha do Holocausto.

    Na crescente cena política polonesa, outros nomes vêm adotando Kantor como referência, casos das jovens diretoras Monika Strzepka e Marta Gornick. O crítico Michal Kobialka questiona, por outro lado, artistas que falam abertamente de seu fascínio por Kantor, mas reduzem-no "a um estilo, uma imagem". Kobialka fará conferências sobre Kantor na mosta e tem ajudado na preparação da Cia. Antropofágica, que fará intervenções dirigidas por Ludmila Ryba. Ela foi atriz das principais peças do diretor, até "Hoje É meu Aniversário", e promete "um comentário kantoriano sobre uma exibição kantoriana".

    Seu colega Lech Stangret lembra que, embora idolatrado por artistas como o americano Bob Wilson e a sérvia Marina Abramovic, Kantor "era bastante contrário a qualquer outro teatro". Conta que uma vez, ao ser questionado por um burocrata comunista por suas críticas ao teatro polonês, respondeu:

    "É verdade, mas eu não tenho uma opinião negativa apenas do teatro polonês. Tenho uma opinião negativa de todo o teatro do mundo."

    *

    CINCO DESTAQUES

    "A Máquina de Aniquilamento"
    Objeto crucial para a exibição, cujo conceito acompanha a ideia de máquina, estará em destaque na entrada. Foi criado para a performance "O Louco e a Freira", de 1963, com cadeiras velhas empilhadas numa plataforma, que servia de palco. A estrutura toda se movia e fazia barulho, "destruindo" a interpretação dos atores e o texto de Witkacy (1885-1939).

    "Emballage"
    Dezessete pinturas com técnica mista, da série de mesmo título, foram os primeiros trabalhos do artista no Brasil, na Bienal de 1967. Agora, entre outras obras, será mostrada a performance "Embalagem Humana", parte do documentário "Kantor Ist Da" (1969), de Dietrich Mahlow, em que Kantor dizia reduzir "o processo de vestir uma pessoa a embalar uma figura com papel higiênico".

    "Happening Panorâmico do Mar"
    Dividido em quatro partes, a mais conhecida delas "Concerto do Mar", já refeita por artistas como Abramovic, foi realizado por Kantor em agosto de 1967, na cidade de Lazy. Como não sobreviveram vídeos do happening, estará presente apenas em fotografias.

    "A Classe Morta"
    Encenada em 1975, é sua obra-prima, em que personagens mortos interagem com bonecos deles mesmos, quando crianças, diante de Kantor. Foi a primeira vez em que ele se referiu expressamente ao passado, da infância às guerras. Estará representada na exibição, entre outros trabalhos, pela filmagem da peça feita pelo cineasta polonês Andrzej Wajda, em 1977.

    "A Invenção do Sr. Daguerre"
    Objeto de "Wielopole, Wielopole", peça de 1980, a mistura de câmera com metralhadora remete a um conceito teórico desenvolvido então por Kantor, de negativos ou placas de memória: fotos justapostas e transparentes, por exemplo, do velho e do jovem. Também remete à ideia de fotografia como morte.

    O jornalista NELSON DE SÁ viajou a Varsóvia e Cracóvia a convite do Instituto Adam Mickiewicz

    MÁQUINA TADEUSZ KANTOR
    QUANDO de 18/8 a 15/11
    ONDE Sesc Consolação, r. Dr. Vila Nova, 245, tel. (11) 3234-3000
    QUANTO grátis

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