"O Filho", nova montagem do Teatro da Vertigem em São Paulo, poderia se chamar "Destroços de Família".
Baseada na "Carta ao Pai", de Franz Kafka (1883-1924), a peça escrita por Alexandre Dal Farra parte do acerto de contas literário do escritor tcheco com o autoritário Hermann, seu genitor, para percorrer o espaço sombrio das relações familiares atuais.
Lenise Pinheiro/Folhapress | ||
Os atores Rafael Lozano (esq.) e Sergio Pardal em cena de "O Filho". |
No espetáculo, o remetente e o destinatário da carta nunca enviada se desdobram em três gerações que tentam se reconhecer em um cenário de destruição.
O Vertigem, grupo famoso pelas locações inusitadas, como presídios, igrejas ou andaimes, desta vez transforma o galpão do Sesc Pompeia em um brechó de móveis usados.
"É um grande depósito em que todos os móveis dessas famílias em ruínas ficam abarrotados. É como se tudo o que não deu certo nas famílias de hoje ficasse depositado para sempre, prendendo as pessoas nesse lugar", diz a diretora Eliana Monteiro.
Os móveis foram chegando aos poucos, enquanto a peça estava sendo montada, vindos de bazares beneficentes, como os das Casas André Luiz. "Alguém usou esses objetos e os largou. Queríamos isso, móveis carregados de história", diz a diretora.
Os espectadores sentam-se em sofás rasgados e cadeiras em meio a aparadores, eletrodomésticos quebrados, berços macabros e bonecas de plástico. Os atores, por sua vez, circulam em meio aos entulhos, sobem nas mesas ou nas plataformas elevadas cobertas por placas galvanizadas.
"De repente, a gente tem que fazer a cena em cima de uma mesa. Na primeira vez que me pediram isso, pensei: 'Como assim?'", diz Antônio Petrin, 77, convidado para a montagem da companhia.
ZONA DE CONFORTO
Ator veterano e com carreira no teatro mais convencional, ele conta que ficou surpreso com o convite do Vertigem. "Para um ator da minha idade, é um desafio sair da zona de conforto das montagens tradicionais. Eu vou tentando me adaptar, tirar um pouco do espanto e experimentar o prazer de estar aqui", explica ele.
Petrin é o pai procurado por Bruno (Sergio Pardal) para uma tentativa de ajuste de contas. Mas, ao contrário do pai dominador e onipresente de Kafka, ele oprime o filho por sua ausência.
A dinâmica vai se repetir na relação de Bruno com seu próprio filho, Hermann (Rafael Lozano). "Ele vai tentar ser uma referência para o filho, mas está sempre fora, trabalhando, encontrando suas mulheres, e o menino fica o tempo todo grudado na TV. É uma maldição: mesmo alguém que tenta ser um pai não consegue, como se a hereditariedade passasse por um sangue virulento", diz Monteiro.
Hermann, a terceira geração de "O Filho", acaba numa cracolândia cenográfica, mata o pai e bebe seu sangue –a hereditariedade contaminada da família em ruínas.
"Tentei dar um final meio aberto, mas não tem como salvar [os personagens]. O texto é muito cru", afirma Eliana Monteiro. Além das apresentações, o Vertigem fará no Sesc Pompeia um ciclo de debates sobre Kafka e o teatro –a "Ocupação Karta ao Pai".
O FILHO
QUANDO de qui. a sáb., às 19h30; dom., às 18h30; até 9/8
ONDE Sesc Pompeia, r. Clélia, 93, tel. (11) 3871-7700
QUANTO de R$ 12 a R$ 40
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
OCUPAÇÃO KARTA AO PAI
QUANDO às terças (de 14/7 a 4/8), às 19h30
QUANTO grátis; ingressos distribuídos uma hora antes