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    'Lusocarioquice' de poeta Matilde Campilho é destaque no 2º dia

    DOS ENVIADOS ESPECIAIS A PARATY

    02/07/2015 20h17 - Atualizado às 00h50

    Mais um autor português, desta vez uma mulher, conquistou a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), cuja 13ª edição vai até domingo (5). Depois de António Lobo Antunes, uma das sensações de 2009, e Valter Hugo Mãe, o queridinho de 2011, a poeta Matilde Campilho, 32, causou comoção nesta quinta (2) na Tenda dos Autores, ao falar de seu ofício.

    "Poeta é uma profissão para sempre, nem dormindo a gente tem descanso", disse Matilde, que tem sotaque "lusocarioca" —morou no Rio entre 2010 e 2013— e alterna o carioca, para dirigir-se ao público, e o português de Portugal, para ler seus poemas. Ela participou de debate com Mariano Marovatto, mediado por Carlito Azevedo —ambos poetas cariocas.

    Carlito, espécie de introdutor de Matilde no Brasil, brincou que iria propor três questões "fáceis" para ela: "O que é a poesia?", "O que é o amor?" e "O que é o Universo?".

    Um copo de água serviu de exemplo para a poeta, que respondeu: "Na poesia, eu pego esse copo e posso fazer explosões atômicas dentro dele".

    Matilde, autora de "Jóquei" (Editora 34), leu um poema inédito, sobre morte: "uma pessoa pode morrer de causas variadas ("¦) pode-se morrer de um golpe de timidez na hora errada".

    Carlito perguntou aos dois o que achavam da "onda crescente de conservadorismo" no país, chamando a atenção para o avanço da redução da maioridade penal na Câmara. Marovatto disse que o Brasil vive num momento "Idade Média". Para Matilde, "o mundo está arrebentado".

    "A poesia não salva o mundo, mas salva um minuto", afirmou a poeta. "A gente está aqui para dançar um pouco sobre os escombros."

    "No meu país há uma taxa de desemprego brutal. É difícil dizer 'sou poeta'. Quem tem tempo para ler poesia quando tem fome?", disse. "Vai passar. Mas até lá o caminho é entre as veredas. Estamos juntos."

    IDIOTICE PLANETÁRIA

    Os convidados da primeira mesa do dia não foram tão otimistas. Em debate com o poeta Eucanaã Ferraz, mediado por João Bandeira, o antropólogo Antonio Risério disse não há mais tempo para pensar "a cidade ideal". "Não existe catástrofe a caminho, a merda já aconteceu. Agora é tentar remediar a idiotice planetária que cometemos", afirmou o autor de "A Cidade no Brasil" (ed. 34).

    Questionado como a poesia pode ajudar a entender a cidade, Eucanaã lembrou versos de Mário de Andrade, homenageado desta edição da Flip: "Quando eu morrer quero ficar/ Não contem aos meus inimigos/ Sepultado em minha cidade/ saudade/ Meus pés enterrem na rua Aurora,/ no Paissandu deixem meu sexo,/ Na Lopes Chaves a cabeça/ Esqueçam."

    Mário também foi lembrado pelo irlandês Colm Tóibín. Ele contou que "Macunaíma" (1928) causou surpresa na Irlanda, país com "forte tradição literária" e "dificuldade com a experimentação".

    No debate mediado pelo mexicano Ángel Gurría-Quintana, Toibin falou de seu mais recente romance, "Nora Webster" (Companhia das Letras), que conta a história de uma mulher que fica viúva na Irlanda dos anos 1960.

    Extrovertido e falante, Tóibín divertiu a plateia com piadas e referências a suas passagens pelo Brasil. Contou que, em sua primeira visita, surpreendeu-se com a normalidade aparente com que brancos e negros caminhavam pela rua.

    Jorge Mautner e Marcelino Freire, que compuseram a última mesa do dia, mediada por Claudney Ferreira, também arrancaram risadas e aplausos da público.

    Marcelino leu um título de uma reportagem da Folha: "Roberto Saviano, desfalque na Flip, diz que vir ao Brasil seria arriscado", e disparou: "Ele escapou foi de um atentado amoroso, porque todos os homens e mulheres iriam querer abraçá-lo e beijá-lo".

    CAOS RACIONAL

    Mautner, como de hábito, roubou a cena ao misturar os mais diversos assuntos, num encadeamento caótico, mas também, por estranho que pareça, muito racional. Da defesa do Brasil como potência natural, partiu para uma digressão que incluía física quântica, candomblé, judaísmo, neurociência e budismo.

    (JULIANA GRAGNANI, MARCO ALMEIDA, RAQUEL COZER E SYLVIA COLOMBO)

    FLIPETAS

    MAIORIDADE
    Se 87% dos brasileiros aprovam a redução da maioridade penal, segundo o Datafolha, na Flip 100% dos convidados que abordaram o tema são contra. Além de Matilde e Marovatto, a medida foi criticada por Marcelino Freire e João Bandeira. Na Casa Folha, Guilherme Boulos e Bernardo Mello Franco foram muito aplaudidos ao rechaçá-la.

    JOGO DO CONTENTE
    Cansado de notícias ruins sobre Paraty, Vandir Mineirinho, 72, funcionário da prefeitura local, criou no WhatsApp o grupo "Jornal Mural Paraty", só com notícias boas –onde enviou, para os cerca de cem participantes, a notícia, inventada, de que a reportagem da Folha tinha feito só elogios à Flip deste ano.

    PRESENÇA
    Sem Roberto Saviano, seu principal livro, "Gomorra", ainda assim entrou na lista de best-sellers da Travessa, livraria oficial da Flip. Na quarta (1º) foi o segundo livro mais vendido, só atrás de uma caixa com três obras de Mário de Andrade.

    AMARGOS
    Os vendedores de doces de Paraty estão amargos. Dizem que os dois primeiros dias de vendas foram os piores em muitos anos. Questionado por uma cliente se havia alguma guloseima com o nome da cidade ou da festa, um deles respondeu: "Aí fica difícil, dona. Ia ter que jogar muita pimenta".

    ALEMÃ NO ALEMÃO
    Em mesa sobre o Complexo do Alemão, a alemã Katjusch Hoe arrancou risadas ao ler uma poesia com suas impressões do Rio. Foi de "aplicar reiki no trânsito para fluir" a "fumar maconha no ônibus de ar-condicionado para Caxias".

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