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    Matemático Artur Avila calcula o número de pedras das ruas de Paraty

    JULIANA GRAGNANI
    ENVIADA ESPECIAL A PARATY

    04/07/2015 02h00

    Se o chão de Paraty falasse, encarnaria o homenageado da Flip deste ano e diria, como Mário de Andrade em seu célebre poema: "Eu sou trezentos". No caso, 300 mil –300 mil pedras fazendo tropeçar escritores do mundo inteiro desde 2003.

    O cálculo é do matemático brasileiro Artur Avila, vencedor da honraria internacional mais respeitada em sua área e convidado que fala neste sábado (4).

    Zanone Fraissat/Folhapress
    O matemático Artur Avila sobre as ruas de pedra do Centro Histórico de Paraty.
    O matemático Artur Avila sobre as ruas de pedra do Centro Histórico de Paraty.

    Desafiado pela Folha a chegar ao número total dos blocos no calçamento da cidade fluminense, Avila, 36, botou ordem na desordem incômoda das pedras em cerca de cinco minutos (acompanhe o cálculo abaixo). "Um método elementar, talvez grosseiro", definiu.

    Outro método, brincou o matemático, seria recorrer aos seus alunos de doutorado, que estão "sempre dispostos a trabalhar" e poderiam contar os blocos um a um.

    47 CANOAS

    Atire a primeira aquele que quiser refazer o enigma da pedra. Por enquanto, não há contagem oficial na cidade.

    Mas um documento do século 19 indica o caminho delas: para cobrir o chão de uma rua, foi preciso um carregamento transportado em 47 canoas, lembra o historiador Diuner Mello, 72, nascido em Paraty.

    O texto era um ofício da Câmara, equivalente a uma licitação, em busca da contratação de pedreiros para calçar a rua.

    Mello ressalta que é difícil apreender a dimensão do número de pedras, pois o tamanho das embarcações não é conhecido """pode ser coisa de dois remadores até uma canoa maior, com vários deles".

    Conhecido na região como pedra "pé-de-moleque", "­porque só os pés das crianças, pequenos, conseguem se adaptar", o calçamento foi feito por escravos, dirigidos por mestres pedreiros, a partir do século 18.

    As pedras vieram de formações encontradas em cachoeiras e rios da mata atlântica, no entorno da cidade.

    DE QUALQUER JEITO

    O trabalho original foi modificado nos anos 1970, quando as ruas foram abertas para a instalação de uma rede de esgoto, nunca concluída. As pedras foram retiradas e colocadas de volta de qualquer forma, sem planejamento.

    Alexandre Pimentel, 43, da Casa Azul, que organiza a Flip, coordenou uma pesquisa que colheu depoimentos sobre esse assunto de paratienses entre 75 e 95 anos.

    Segundo essas memórias, as pedras eram bem encaixadas, alinhadas e inclinadas em direção ao centro da rua, que tinha ali blocos mais largos –a disposição ajudava o escoamento de água.

    "A intervenção posterior foi feita sem mão de obra qualificada, com pedras mais lisas e espaçamento inadequado, provocando buracos e acúmulo de sedimentos", diz.

    Para ele, a técnica da engenharia portuguesa que orientava a forma anterior foi desprezada.

    O historiador Diuner Mello lembra de um tempo em que as mulheres andavam pelas ruas de salto agulha. Certamente um passado distante.

    Sóbrios ou não, os convidados da Flip estão sempre trôpegos (esta repórter tropeçou pelo menos três vezes em dois dias de festival).

    São conhecidas as queixas da irlandesa Edna O'Brien, hoje com 84 anos, contra as pedras que a desequilibravam em 2009. Para uma pisada mais segura, Jô Soares chegou ao debate na Flip de 2005 por outra entrada, de carro.

    Na primeira edição do evento literário, em 2003, o escritor Chico Mattoso já antevia os percalços e resumiu o problema: "Recomenda-se não levar patins", escreveu.

    DESAFIO ILUSTRADA

    Pedimos a Artur Avila que calculasse o número de pedras nas ruas de Paraty; em cinco minutos ele realizou o seguinte cálculo:

    • Avila começou contando quantas pedras havia em um 1 m²: 15 a 20 pedras
    • Avaliou que cada quarteirão (pedaço da rua que vai de uma esquina até a outra) tem cerca de 50 metros de comprimento. A largura é de 6 metros · Assim, a área de um quarteirão é 50m x 6m = 300 m² · 20 pedras por m² x 300 m² = 6.000 pedras por quarteirão.
    • Como o número de pedras por m² era entre 15 e 20, Avila abaixou esse resultado para 5.000 pedras por quarteirão.
    • Uma consulta, pelo celular, ao site oficial da cidade revelou que o número de quadras no centro histórico de Paraty é 31. Avila arredondou para 30.
    • Cada quadra tem 4 quarteirões (ruas) ao seu redor. Assim, haveria 120 quarteirões formados por pedras em Paraty · Agora vem a pegadinha matemática. Se você somar os 4 quarteirões de uma quadra com os quatro quarteirões da quadra vizinha, estará somando duas vezes a rua que divide as duas.
    • Para evitar essa duplicidade, Avila dividiu o número de 120 quarteirões por 2 e chegou a 60 quarteirões · 60 quarteirões x 5.000 pedras por quarteirão = 300 mil
    • Resultado o centro histórico de Paraty tem cerca de 300 mil pedras
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