• Ilustrada

    Sunday, 05-May-2024 14:40:51 -03

    Músicas inéditas e livros reeditados marcam 25 anos da morte de Cazuza

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    07/07/2015 02h30

    Num show no Rio há mais de três décadas, quando Caetano Veloso cantou os primeiros versos de "Todo Amor Que Houver Nessa Vida" – aquela do "quero a sorte de um amor tranquilo"–, Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, estava na plateia e sussurrou na orelha do marido, João, o então todo-poderoso da Som Livre, que a música era do filho.

    "Ele disse que eu só podia estar psicótica", lembra Lucinha. "Aí o Caetano contou que era de uma banda nova, o Barão Vermelho, de um letrista chamado Cazuza. O João ficou com a cara no chão."

    Dali em diante, Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazuza, não parou de surpreender plateias, primeiro como vocalista do Barão e depois na carreira solo abortada pela morte precoce –ele morreu aos 32, de complicações do vírus da Aids, na manhã de 7 de julho de 1990, há exatos 25 anos.

    Esse aniversário da morte do artista é lembrado agora com um projeto que resgata algumas das 65 letras inéditas deixadas por ele, que serão gravadas por nomes fortes da música do país –Caetano, Gilberto Gil e Bebel Gilberto, entre outros– e reunidas num disco que sairá em outubro.

    "Ele escrevia as músicas e ia entregando aos parceiros", diz Lucinha. "Talvez eu tenha sido inconveniente ao abrir essa pasta que ele deixou, mas é um modo de manter viva sua memória. Quem cria uma obra como a dele nunca morre."

    Também sairão até o final do ano reedições dos livros "Só as Mães São Felizes" e "Preciso Dizer Que Te Amo", ambos da mãe do artista, em versões atualizadas –no caso, o segundo passa a incluir informações de todas as gravações das músicas de Cazuza, ganhando a companhia de "Sorte e Azar", que não estava na primeira versão do livro.

    Enquanto o filme sobre a vida do cantor, "Cazuza", que Sandra Werneck e Walter Carvalho lançaram há 11 anos com Daniel de Oliveira no papel principal, continua fresco na memória e o musical que narra sua história segue com uma turnê pelo país, a cena artística parece aderir a um revival em torno do compositor.

    Na opinião da crítica musical, é um fenômeno que se explica pela volta à ênfase nas letras em detrimento do arranjo que marca a geração atual. De língua presa e estilo berrado, Cazuza, na verdade, entrou para a história menos pela maneira de cantar e mais pela beleza de suas composições.

    Em tempos de extremo conservadorismo e ódio escancarado na vida pública e política do país, versos como os de "Blues da Piedade" –"vamos pedir piedade pra essa gente careta e covarde"–, aliás, nunca pareceram tão atuais.

    "Daquela geração de poetas, o Cazuza era quem mais botava o dedo na ferida", lembra Ney Matogrosso, que namorou o cantor por um curto período. "Ele era explícito e inteligente. Deixou de cantar sobre o umbigo e se virou para o mundo. É como se ele estivesse aqui. Essas coisas não acabam porque ele morreu."

    No caso, Ney destaca uma trinca de músicas de Cazuza escritas depois que ele descobriu ser soropositivo, marcando uma guinada em suas letras –"Brasil", "Blues da Piedade" e "O Tempo Não Para".

    Essa última, aliás, entrou de improviso no repertório do último show de Cazuza, dirigido por Ney. "Ele chegou com essa música quando o show já estava pronto", lembra. "Era uma coisa muito delicada, ele já estava muito fragilizado. Tinha muito amor envolvido nessa situação toda. Não estou falando de romance, mas outro tipo de amor."

    BLUES

    Bebel Gilberto, amiga de infância de Cazuza, das tardes que passavam à toa em Ipanema, também sentia esse amor. Ela foi a primeira a gravar uma das canções inéditas do cantor para o disco em sua homenagem –"Brazilian Prayer", a única letra em inglês escrita pelo músico.

    "Não conhecia a letra, foi uma surpresa para mim", diz Bebel. "E o resultado foi um blues bem Cazuza. Ele deixou uma marca muito forte de um artista autêntico, verdadeiro, ousado, que tinha coragem de ser o que era."

    Ou seja, ao mesmo tempo "exagerado" e, nas palavras de Ney, "apaixonante, sensível e manso".

    Veja, abaixo, a letra de "Brazilian Prayer" (oração brasileira), uma das 65 músicas inéditas de Cazuza:

    I've been following you
    Eu tenho seguido você

    SInce I was born
    Desde que nasci

    Counting my fingers
    Contando nos meus dedos

    Facing the fears
    Enfrentando os medos

    I've been so anxious
    Eu ando tão ansioso

    And sad
    E triste

    You must believe, it's serious
    Você tem que acreditar, é sério

    All my days are like
    Todos os meus dias são como

    Cruel rainy days in hot summer
    Dias chuvosos cruéis no verão quente

    QUEM VAI CANTAR - Artistas que gravarão as inéditas de Cazuza: Bebel Gilberto (já gravou "Brazilian Prayer"), Caetano Veloso, Gilberto Gil, Baby do Brasil, Rogério Flausino, Seu Jorge, Xande de Pilares

    RELANÇAMENTOS
    Livros que voltarão até o fim do ano

    SÓ AS MÃES SÃO FELIZES
    AUTOR Lucinha Araújo e Regina Echeverria
    EDITORA Globo
    QUANTO esgotado (400 págs.)

    CAZUZA - PRECISO DIZER QUE TE AMO
    AUTOR Lucinha Araújo e Regina Echeverria
    EDITORA Globo
    QUANTO esgotado (416 págs.)

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024