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    crítica

    Ousadia de diretor malaio se consome na autorreferência

    CÁSSIO STARLING CARLOS
    CRÍTICO DA FOLHA

    08/07/2015 02h30

    O close do ator francês Denis Lavant quase imóvel ao longo de mais de oito minutos na abertura do média-metragem "Jornada ao Oeste" anuncia o que se deve esperar do último trabalho, talvez derradeiro, do malaio Tsai Ming-liang.

    Nessa imagem do rosto capturado, ouve-se um rumor do mar e veem-se mínimos movimentos do ator, mas o que se sente de modo mais incisivo é o tempo, intensificado pela longa duração do plano.

    Minutos depois veremos novamente a face de Lavant posta numa composição em que as linhas do perfil se confundem com as de uma montanha. O rosto surge reintegrado à natureza, devolvido à originalidade.

    Divulgação
    Cena do filme "Jornada ao Oeste".
    Cena do filme "Jornada ao Oeste".

    Entre as sequências, a figura de um monge budista em um passo lentíssimo reafirma o conceito do filme. Trata-se de romper com a velocidade do cotidiano e levar o espectador a experimentar as múltiplas durações daquilo que denominamos, de modo excessivamente uniforme, tempo.

    O filme radicaliza um procedimento que ritmava "Cães Errantes" (2013), longa anterior de Tsai. A predominância de cenas em que se suspende a ação para privilegiar a contemplação é recurso que singulariza a filmografia do diretor.

    Com este filme, releitura da miséria material e afetiva contemporânea com evidente referência ao cinema do italiano Michelangelo Antonioni (1912-2007), Tsai obteve projeção como autor em festivais internacionais e atraiu a atenção da cinefilia que valoriza a invenção.

    Na contramão de um cinema que se acelera na medida em que abandona toda vocação estética e filosófica, Tsai chega com "Jornada ao Oeste" a um manifesto que se confunde com um beco sem saída.

    Tsai simboliza a irredutibilidade de seu cinema à uniformidade por meio da mínima mobilidade dos atores contraposta à velocidade e à atenção distraída dos passantes.

    Contemplamos, às vezes boquiabertos, outras bocejantes, o rigor formal como o diretor filma os passos do monge, interpretado por Lee Kang-sheng, protagonista de todos os filmes do cineasta.

    Tanta originalidade, no entanto, consome-se na autorreferência e tende a atrair só o público cujo gozo se confunde com a autossatisfação.

    JORNADA AO OESTE (Xi you)
    QUANTO: EM CARTAZ
    ELENCO: LEE KANG-SHENG E DENIS LAVANT
    PRODUÇÃO: FRANÇA, 2014, LIVRE
    DIREÇÃO: TSAI MING-LIANG

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