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    Com novo livro de Harper Lee, nome Atticus ganha sentido desconfortável

    ELIZABETH A. HARRIS
    DO "THE NEW YORK TIMES"

    16/07/2015 17h14

    Quando Oscar Boykin e sua mulher, Liz, ouviram falar sobre o lançamento de um novo romance de Harper Lee, protagonizado pelos mesmos personagens de "O Sol é Para Todos", imaginaram um tsunami de meninos com o nome de Atticus varrendo o país, o que faria com que seu filho, Atticus, que tem nove meses de idade, não parecesse uma exceção tão solitária.

    Quem dera.

    Em "O Sol é Para Todos", Atticus Finch era a figura paterna, um homem honrado e amado por todos, carregado de valores e de significado. No novo romance, "Go Set a Watchman", que saiu na terça-feira, Atticus é racista.

    Kevin Liles/The New York Times
    O pequeno Atticus Campbell, de 3 anos, com seus pais, Cristopher e Jennifer
    O pequeno Atticus Campbell, de 3 anos, com seus pais, Cristopher e Jennifer

    "Quando ouvimos falar do livro pela primeira vez, minha mulher comentou que esperava que Atticus não virasse vilão", disse Christopher Campbell, pai de Atticus Campbell, 3, nascido pouco depois que seus pais se mudaram de Nova York para a região de Atlanta. "Tivemos mesmo essa discussão. Mas com jeito de piada".

    Nos dois últimos anos, diz Campbell, ele e a mulher Jennifer vêm acompanhando com alguma decepção a popularização do nome Atticus. De acordo com a Administração da Previdência Social norte-americana, no ano passado ele chegou ao seu pico de popularidade.

    Em 2004, o nome foi incluído pela primeira vez na lista de mil mais comuns, que começou a ser compilada na década de 1880. Em 2014, havia disparado lista acima, se tornando o 370º mais popular entre os nomes para meninos nos Estados Unidos, precedido por Enzo e sucedido por Kash.

    "Sempre quisemos que nossos filhos não tivessem nomes superpopulares", diz Campbell, que tem uma filha de 11 meses chamada Edith (627º posto). "E de certa forma conseguimos o que queríamos".

    Atticus continua a ser incomum o bastante para que mantenha associação estreita com o personagem de Lee, o mais famoso de seus portadores. (Em New Haven, por exemplo, a vasta maioria dos clientes do Atticus Bookstore/Cafe presume que o nome do estabelecimento seja referência a Finch, diz o gerente da livraria e café, e nos últimos dias surgiram muitas perguntas sobre a virada no personagem. Mas o nome da loja é referência a Titus Pomponius Atticus, um editor ateniense do século 1 a.C.)

    Alguns pais responderam às notícias sobre Atticus questionando as intenções da autora: quase 60 anos depois de ter escrito o livro, será que Lee queria mesmo que ele fosse publicado? Outros se reconfortam por "Go Set a Watchman" aparentemente ter sido escrito antes de "O Sol é Para Todos", e por o livro ser um rascunho e não uma evolução de seu muito querido Atticus. Mas há também quem se preocupe com a possibilidade de que o novo livro cause questionamento por parte de seus filhos: qual dos dois Atticus foi o motivo da escolha do nome?

    "É muito decepcionante, porque é o oposto do que tanto amamos sobre o personagem", disse Boykin, que vive em Maui, Havaí. Embora ele tenha dito que não conseguiu se forçar a ler o novo livro, sua mulher, filha de um professor de inglês, fará o contrário. "Vou lê-lo", ela disse, "mas, como mãe de um filho pequeno, ninguém sabe quando".

    Atticus Gannaway, 37, de Manhattan, adotou o nome Atticus na universidade (o nome que lhe foi dado pelos pais é Ryan), e disse que embora não esteja muito contente com o novo desdobramento, se reconforta com a ideia de que "Go Set a Watchman" pode ser parte de uma conversação mais profunda sobre raça e história nos Estados Unidos.

    "Se meu nome precisa ser maculado de alguma maneira para que isso aconteça, é algo com que posso conviver", disse Gannaway.

    Além disso, as coisas podiam ser muito piores. Imagine se chamar Adolf, por exemplo. Depois da Segunda Guerra Mundial, Adolph, a forma mais comum do nome dos Estados Unidos, jamais reconquistou a popularidade que tinha antes do conflito.

    E Michael Sherrod, professor de administração de empresas na Universidade Cristã do Texas, encontrou diversas outras escolhas interessantes ao pesquisar dados antigos de recenseamento para escrever "Bad Baby Names", com Matthew Rayback.

    Um desses nomes era Fanny Pack; outro, Nice Carr; um terceiro, Warren Peace [três trocadilhos infames, com "pochete", "belo carro" e "guerra e paz".]

    "Pessoas eram batizadas com nomes de recheios de sanduíche, ou recebiam os nomes dos sete pecados capitais -encontramos todos eles, fora Gula-, ou recebiam o nome de uma ferramenta", disse Sherrod.

    A despeito de sua linhagem agora complicada, os pais dos meninos chamados Atticus dizem não pensar sobre o livro ao ouvir o nome. Pensam em suas famílias e filhos.

    Quando Campbell foi apresentado à sua atual mulher, oito anos atrás, uma das coisas que os aproximou foi ambos desejarem ter um filho chamado Atticus, um dia. Foi a primeira coisa que perceberam ter em comum,

    "Essas são memórias que o novo livro não muda", disse Campbell. Além disso, ele acrescentou, "talvez nosso filho cresça e se torna mais famoso e distinto do que Atticus, e talvez todo o reconhecimento que o nome recebe passe a ser associado a ele".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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