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    crítica

    Natalia Ginzburg condensa sabedoria enorme em livro curto

    CAMILA VON HOLDEFER
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    25/07/2015 02h20

    Anos depois da publicação de "Caro Michele" e "Léxico Familiar", ambos da coleção Mulheres Modernistas, a editora Cosac Naify aposta em "As Pequenas Virtudes", reunião de textos de não ficção da italiana Natalia Ginzburg (1916-1991).

    Escritos entre 1944 e 1962, os textos têm extensão variável e estão divididos em duas partes. A primeira se atém aos deslocamentos –como o período em que a autora morou em Londres– e a dois afetos em particular.

    Reprodução
    A escritora italiana Natalia Ginzburg.
    A escritora italiana Natalia Ginzburg.

    Um deles é o poeta Cesare Pavese (1908-1950), de quem Ginzburg foi amiga, que emerge do retrato esboçado por ela como uma figura indócil e inapreensível. O segundo é Gabriele Baldini, segundo marido de Ginzburg, que surge, com suas implicâncias e idiossincrasias, no incômodo "Ele e Eu".

    Na medida em que o texto avança, é possível perceber o quanto a relação é desequilibrada e conflituosa –do que Ginzburg tem perfeita consciência. O último parágrafo revela a extensão da mágoa e da ingenuidade perdida.

    A segunda parte contém o melhor do livro. "As Relações Humanas" é um estupendo relato autobiográfico com o foco na empatia: Ginzburg mostra como é difícil (e custoso) abandonar a atitude defensiva e desviar o olhar do próprio umbigo. (Leitores de ficção contemporânea sabem o quanto a discussão é atual.)

    "O Meu Ofício" ilustra a maneira pela qual essa mesma empatia interfere no processo de escrita, influenciando a concepção e a movimentação dos personagens em um conto ou romance.

    "As Pequenas Virtudes", que dá título ao livro, fala da importância de se ensinar aos filhos a verdadeira grandeza (a generosidade, a franqueza, o amor ao próximo) ao lado das atitudes mais pontuais e escorregadias (a prudência, a diplomacia, a astúcia). É uma aula de educação que também serve de gatilho para a autoanálise.

    Claro, Ginzburg é especialista em esmiuçar a transição da inocência para uma maturidade serena, destacando o valor do aprendizado pelo sofrimento e pelas dificuldades –o que, no seu caso, foi representado pelo fascismo.

    "Conhecemos a realidade em sua face mais terrível", escreve ela, cujo nome de batismo é Natalia Levi. É esse conhecimento que fica, e que é transmitido de forma tão simples e direta. Ao falar de si sem vaidade ou autoindulgência, Ginzburg já deixa uma lição preciosa para o leitor.

    No fim das contas, há mesmo uma sabedoria enorme contida em um livro tão pequeno. A sensibilidade de Natalia Ginzburg é incomum, o que se mostra tanto em sua ficção como, e sobretudo, nestes seus textos breves e encantadores.

    AS PEQUENAS VIRTUDES
    AUTORA Natalia Ginzburg
    TRADUÇÃO Maurício Santana Dias
    EDITORA Cosac Naify
    QUANTO R$ 32,90 (160 págs.)
    AVALIAÇÃO ótimo

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