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    Aos 85, Jouralbo Sieber aventura-se na HQ com a ajuda do filho, Allan

    GABRIELA SÁ PESSOA
    ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE

    28/07/2015 03h00

    O calendário de Jouralbo Sieber ganha hoje mais um círculo laranja, ao redor do quadrado destinado a esta terça-feira (28). Todos os meses, ele destaca os múltiplos de sete nas folhas penduradas em uma prateleira do quarto onde trabalha, num apartamento em Porto Alegre.

    "Nada como sete dias após o outro", diz ele, que procura organizar a vida de sete em sete, o número de Deus.

    Aos 85 anos, ele agora termina o segundo livro de quadrinhos. O primeiro, "Ninguém me Convidou", foi lançado em 2010 pela Conrad, mas saiu de circulação por um erro de impressão que deixou duas páginas de fora. Ganhou nova vida em junho, em reedição estendida, pela Mórula.

    "Escrevo uma história de sete em sete dias", explica, batendo levemente o indicador na mesa a cada sílaba. "São símbolos de caboclos, sete flechas, sete isso, sete aquilo. O sete é um número meio mágico, cabalístico."

    Ouça Jouralbo explicando a sua relação com o número 7

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    Sentado à mesa de trabalho, encostada numa ampla janela, ele trabalha nas historinhas embalado pelo chiado de uma galena –espécie de rádio primitivo– que ele mesmo fez e só pega em uma frequência: a de uma rádio de notícias, ligada 24 horas, sete dias por semana.

    "Fui desenhista de tudo, mas é uma coisa até que nova para mim, o quadrinho. Quer dizer, eu achava esquisito o Allan fazer aqueles desenhos, meio caricaturas, mas hoje eu estou fazendo umas coisas assim, que nem ele."

    Allan, no caso, é seu filho, o quadrinista da Folha Allan Sieber, que incentivou o pai –pintor, fotógrafo e publicitário aposentado– a se reencontrar com o lápis e o nanquim.
    "Talvez seja um recorde mundial a estreia de um cartunista com mais de 80 anos", comenta o filho, aos risos.

    Em 2005, Allan começou uma série de entrevistas com o pai –"aquele cara que vive em outro mundo" e o ensinou, em criança, a ler gibis–, que basearam o roteiro de "Ninguém me Convidou", totalmente ilustrado por Jouralbo.

    O quadrinista tardio diz que o livro é uma "cápsula do tempo" de lendas que ouvia, travessuras de quando serviu na aeronáutica e dos veraneios quando tinha 16 anos e costumava encontrar o escritor Érico Verissimo caminhando pela areia, de manhã: "Quando eu ia, ele já andava voltando".

    Com traços realistas, típicos dos anos 1950 –lembra as HQs de Tarzan, que ele guarda no armário de casa–, Jouralbo faz uma crônica da publicidade do início do século 20, tempo em que cada detalhe era desenhado à mão.

    São histórias simples e humanas: conflitos com chefes, o casamento, o pai suíço sobrevivente da 1ª Guerra, a sutileza da vida que passa.

    Onde andam as pessoas daquele tempo? "Pois é, estarão vivos ainda? Será que leram meu livro?" Jouralbo perdeu o contato. "Era um cara meio esquisito, incomodativo."

    Como a galena, ele vive em sua própria frequência."Ele não tem muitos amigos, foi um dos motivos para eu entrar nessa –fazer algo para ele não ficar naquele universo rarefeito", conta Allan. "Basicamente, para não encher o saco da minha mãe [risos]."

    Eduardo Knapp/Folhapress
    Detalhe de galena inventada por Jouralbo Sieber, no escritório do apartamento onde mora
    Detalhe de galena inventada por Jouralbo Sieber, no escritório do apartamento onde mora

    Por iniciativa de Jouralbo, pai e filho terminam, juntos, o segundo livro. "Senti um vazio, não sei o que é. Talvez algumas coisas não estivessem bem claras", diz o pai.

    Serão 49 (7 x 7) histórias na nova edição, com o nome provisório de "O Mundo Segundo Jouralbo", ilustradas pelos Sieber e 35 cartunistas –como Chiquinha, Rafael Sica e a colombiana Power Paola.

    'O tempo é parado. Existe o movimento, a gente crescendo, as árvores crescendo, o vento e tudo o mais'; ouça Jouralbo Sieber

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    Ainda sem editora, o volume fica pronto neste semestre e foi bancado por Allan, que estima ter desembolsado R$ 12 mil com os cachês.

    "Ele sempre levou uma vida sem prazer. Gosto de saber que ele está lá desenhando e recebendo desenhos de outras pessoas." O brilho no olhar de Jouralbo, quando mostra os novos desenhos, não deixa o filho mentir.

    NINGUÉM ME CONVIDOU
    AUTOR Jouralbo e Allan Sieber
    EDITORA Mórula Editorial
    QUANTO R$ 35 (116 págs.)

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