• Ilustrada

    Tuesday, 07-May-2024 18:11:40 -03

    Jornalistas abandonam bancada e assumem entretenimento na TV

    CHICO FELITTI
    DE SÃO PAULO
    LÍGIA MESQUITA
    ENVIADA AO RIO

    02/08/2015 02h00

    Pedro Bial reporta a queda do Muro de Berlim. Num Afeganistão em guerra, Ana Paula Padrão perde quatro quilos de tanto trabalhar.

    Essas cenas são reais e estiveram em telejornais, como estavam esses jornalistas antes de trocarem a reportagem por programas de entretenimento. E esse time de ex-âncoras ganha reforço com as estreias de "Bake Off Brasil", do SBT, na última semana, e de "É de Casa", da Globo, no próximo sábado (8).

    O matinal global junta Patrícia Poeta (ex-"Jornal Nacional"), Tiago Leifert (ex-"Globo Esporte"), Zeca Camargo (ex-"Fantástico").

    Já a competição de doceiros do SBT é a estreia em reality show de Ticiana Villas Boas, 34, após sete anos na bancada do "Jornal da Band".

    Executivos das emissoras afirmam que essa onda ocorre porque as imagens dos profissionais, já reconhecidas e com credibilidade, ajudariam os novos projetos a engatar.

    A Folha ouviu os novatos para saber as razões que levaram à guinada de carreira.

    Em comum, todos disseram que não tinham atingido o teto profissional da área.

    NÃO QUERO DINHEIRO

    "Não fui para o entretenimento para fazer comercial", afirma Poeta, 38, tocando num assunto central do novo ofício: apresentadores podem fazer publicidade, enquanto jornalistas são proibidos.

    Ela, que afirma receber propostas de campanhas há anos, fechou seu primeiro contrato há alguns meses. "Topei fazer meu primeiro comercial porque tinha uma mensagem de sustentabilidade que tinha a ver comigo." A marca de detergente pagou cerca de R$ 1,5 milhão.

    Os salários tampouco são mais polpudos, afirmam alguns. "Eu não tive um real de aumento. Se eu estivesse na TV para ganhar dinheiro, já teria saído há muito tempo", afirma Leifert, 35, cujo holerite está na casa das dezenas de milhares de reais.

    "O que eu mais senti na transição é fazer o tal do 'merchandising'", diz Villas Boas.

    A propaganda, inserida no meio do programa, costuma render mais que os salários. "Foram 13 anos evitando falar nomes de marcas no jornal. Agora é o contrário. Tem um pouco de atuação. E de se posicionar com uma marca."

    Seu programa, que estreou quase dobrando a audiência do horário, tem quatro "merchans". "[O pagamento] Ainda vai cair na minha conta, mas já sei quanto é. Estou pensando em como investir."

    Boninho, diretor de vários programas da Globo, diz que a diferença do jornalismo para o entretenimento é que os apresentadores "precisam ser eles mesmos, mostrar experiência própria, não relatar fatos, notícias. No entretenimento eles dão opinião, precisam ser parciais".

    SONHO

    Maior expoente do jornalismo a ter mudado de lado, Fátima Bernardes, 52, vê a transição como a soma de realização profissional com renovação de mercado.

    "Se você tem um sonho, uma vontade, acha que vai evoluir, apoio. Abre espaço para uma galera nova que está chegando ao jornalismo".

    Ela, que foi âncora do "Jornal Nacional" por 13 anos, completa três à frente do show de variedades (e notícias) "Encontro", da Globo.

    À frente do "Masterchef", da Band, a ex-"Jornal da Globo" Ana Paula Padrão, 49, avalia que a travessia não começa tranquila. "É muito difícil fazer a mudança de imagem. Você acostuma o telespectador por anos e anos com uma imagem. Quando você faz a mudança, a tendência é te reprovarem." Mas venceu a resistência. Diz que hoje tem fãs que nem conhecem sua carreira de notícias.

    Padrão conta que não optou por mudar. Havia decidido abolir a bancada de sua vida. "O entretenimento apareceu por acaso, por convite."

    O trabalho segue intenso, com jornadas de 12 horas. "Mas é mais divertido lidar com um assunto leve."

    Bota leve nisso. Chris Flores, 37, que em setembro apresentará "Troca de Famílias", na Record, diz que seus dotes jornalísticos ajudam, mas que teve de aprender a ter jogo de cintura. "É uma mistura: caiu um avião, você tem que noticiar, os convidados estão dançando no palco, você tem que dançar junto."

    MANHÃ DE SÁBADO

    A chegada do "É de Casa" às manhãs da Globo marca uma aposta da emissora em ocupar um espaço praticamente "morto" em sua grade, com exibição de desenhos animados. A nova empreitada, ao vivo, também será uma nova fonte de renda para o canal, com espaços para merchandising.

    Formato original, criado pelo núcleo do diretor Boninho, o programa terá como cenário uma casa de verdade, com escritório, quarto, sala, cozinha, quadra poliesportiva e horta. Em cada ambiente do espaço, quatro dos seis apresentadores daquela semana se revezarão por três horas, das 9h ao meio-dia, na apresentação de conteúdo mais diverso. O foco da audiência é a família.

    Serão exibidas reportagens de comportamento, moda, viagem, gastronomia, saúde etc. Ana Furtado, André Marques, Cissa Guimarães, Patricia Poeta, Tiago Leifert e Zeca Camargo formam o time de apresentadores.

    "É de Casa" começará sempre pela parte jornalística, mas de teor leve e comportamental, dando um resumo das notícias da semana e do dia. Por isso, segundo diretores, nada mais agregador à atração do que ter em seu comando três ex-jornalistas.

    Já a equipe de produção e de direção saiu de um programa de outro núcleo: o "Mais Você", de Ana Maria Braga.

    Além disso, abre-se uma janela na programação para entradas de conteúdo factuais. Caso alguma notícia precise ser apresentada ao vivo na emissora isso será feito pela equipe do novo programa. Nas palavras de Boninho:"Faltava um produto que reunisse 'morning show'[matutino de variedade] com serviço e interatividade. A família fica em casa de manhã".

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024