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    'Pablo Escobar não era ambíguo, era um facínora', diz José Padilha

    GUILHERME GENESTRETI
    DE SÃO PAULO

    05/08/2015 02h01

    Se até mesmo o truculento capitão Nascimento, de "Tropa de Elite", guardava alguma ambiguidade, o Pablo Escobar retratado na série "Narcos" não deixará dúvidas: será um facínora inequívoco.

    Palavra do cineasta carioca José Padilha, 48, diretor de "Tropa...", que volta a escalar Wagner Moura, agora no papel do megatraficante colombiano morto em 1993.

    Com dez episódios na primeira temporada, o seriado "Narcos" chegará ao serviço de vídeos sob demanda Netflix no dia 28. Produtor-executivo da série e diretor dos dois primeiros capítulos, Padilha falou por telefone e e-mail com a Folha, de Los Angeles, cidade para onde se mudou após sofrer, segundo relata, uma tentativa de invasão de sua produtora no Rio.

    *

    Folha -Por que adotar o ponto de vista da DEA, a agência antidrogas americana, na série?
    José Padilha - Esse enfoque acrescenta um componente à narrativa: além da história do surgimento dos cartéis, podemos mostrar a forma pela qual os EUA interferiram na Colômbia e na luta contra o narcotráfico local. [O ex-presidente Ronald] Reagan tentou resolver o problema pelo lado da oferta, e não pelo lado da demanda. Isso explica por que a oferta das drogas migra de país em país. A demanda? Continua igual. Vista dessa forma, a questão das drogas vira um problema de polícia, e não de saúde pública.

    Divulgação
    Cenas da série 'Narcos', produzida por José Padilha, que estreia em agosto na Netflix
    Wagner Moura na série 'Narcos', produzida por José Padilha, que estreia em agosto na Netflix

    Pretende embutir esse tipo de discussão na série?
    Sim, mostrando como as pessoas que fazem parte desse aparato ficam tão imersas nele que não conseguem nem ver o absurdo que é. Teve um momento em que o objetivo dos EUA era pegar Pablo Escobar mesmo quando ele não tinha mais importância, e o cartel de Cáli, por exemplo, é que estivesse em alta abastecendo os EUA com drogas.
    Isso teve duas consequências: a fronteira da droga migrou e causou superlotação nas cadeias. Está provado pela história que deu errado.

    Em partes de Medellín, Escobar é tido como o herói que construiu hospitais quando o Estado não fez. Pretende abordar essa ambiguidade?
    Ele não é ambíguo, a não ser para quem tivesse algum interesse em receber algo dele. É o mesmo que ocorre com certos traficantes do Rio. Não resta a menor dúvida de que Escobar é um facínora, um psicopata capaz de derrubar avião e matar 200 pessoas.

    O filho de Pablo Escobar lançou um livro agora sobre o pai. Chegou a conversar com ele?
    Tivemos acesso a várias obras -escritas por primos, irmãos, amantes E policiais. E também a gravações de escutas que a DEA tinha do próprio Pablo. Para efeito da nossa narrativa, que inclui a perspectiva da DEA, preferimos usar estas fontes e não recorrer ao filho dele.

    Como avalia ao atual momento do cinema brasileiro?
    O cinema brasileiro é artesanal, como era quando eu morava aí. A diferença agora é que há mais envolvimento da TV e menos recursos para o produtor independente. O resultado é que temos dois tipos de filme: com orçamentos muito baixos, sem apelo comercial, mas que por vezes têm qualidades artísticas; e as comédias românticas com estética televisiva, com apelo comercial, mas baixa qualidade artística. A realização de filmes como "Central do Brasil", "Cidade de Deus" e "Tropa de Elite", o cinema independente com potencial comercial, está quase impossível.

    Qual é a saída?
    A saída é o modelo do "Tropa de Elite 2" [orçado em R$ 16 milhões em 2010]: um filme que fez pouco uso de incentivo fiscal e muito investimento próprio. Mas, para isso funcionar, o produtor do filme é que tem de fazer a distribuição. Os contratos de distribuição são muito leoninos para o produtor. Se "Tropa de Elite 2" estivesse nas mãos de uma distribuidora [que em geral fica com a maior porcentagem da renda do filme], eu nunca recuperaria o dinheiro investido.

    Sua experiência em Hollywood, com "Robocop", não foi das mais tranquilas. Você brigou com o estúdio, que mexeu no roteiro. Pretende continuar fazendo filmes nesse modelo?
    O modelo dos estúdios aqui está apoiado no resultado do filme. Criaram uma estrutura para que o sucesso de um longa não dependa do cineasta, mas do marketing. Existe outro modelo, que é o da Netflix e da Amazon, que estão migrando para o cinema: elas recebem por assinante. Não estão amarradas ao sucesso do projeto, mas à variedade do catálogo. Dão liberdade criativa e dinheiro.

    Quais os próximos projetos?
    Agora estou focado no cinema independente nos EUA, em projetos com potencial comercial, mas cunho artístico e perspectiva social. Voltei ao meu enfoque do "Tropa de Elite", mas aqui nos EUA.
    Tenho projeto de filme sobre o crescimento imobiliário em NY e como esse processo está expulsando as pessoas de baixa renda da cidade, e o personagem principal é inspirado em Donald Trump.
    Outro projeto é sobre corrida espacial no setor privado, algo que me interessa muito: é a história real de como várias empresas estão disputando pela construção de hotel na lua, por viagens para colocar as pessoas em órbita.

    Você contou que sua produtora no Rio quase foi invadida após "Tropa de Elite 2" e que por isso se mudou para os EUA. Acha que a ação pode ter sido orquestrada por vingança?
    Não sei qual foi a motivação. O que sei é que antes da tentativa de invasão eles telefonaram para checar se eu estava lá. Isto levou os meus amigos da polícia a sugerir que eu andasse com seguranças -o que fiz por um tempo.
    A sua decisão de não notificar a polícia gerou críticas. O chefe da Polícia Civil do Rio disse que subnotificações prejudicavam o combate à violência.
    A Polícia Civil do Rio resolve um percentual baixíssimo dos assassinatos registrados. E o número de homicídios no Estado, apesar de ter melhorado nos últimos tempos, está longe de ser razoável... Não creio que estas estatísticas alarmantes sejam causadas por subnotificação Mas peço desculpas se passei a impressão de que quero estimular as subnoticações.

    O que acha da proposta de redução da maioridade penal?
    Enviar adolescentes para um sistema prisional que não consegue dar conta dos presos maiores de idade certamente não é solução para o problema da violência urbana.

    Descriminalização das drogas?
    Sou favorável à descriminalização da maconha. Sou favorável à descriminalização (vigente) do álcool. Mas sou contra a descriminalização da heroína e do crack. As drogas não podem ser tratadas à revelia dos seus efeitos. O enfoque tem de mudar de repressão para saúde pública.

    Tem acompanhado a crise política no Brasil?
    Os bandidos que controlam a política brasileira, dentro e fora dos partidos, foram pegos com a boca na botija -de forma bem documentada. As instituições estão aí. E vão funcionar bem melhor quando este processo acabar, e os políticos que as usaram para praticar corrupção forem defenestrados delas.

    Veja o trailer:

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