Na tentativa de traduzir os dramas do homem de seu tempo, Anton Tchékhov criou personagens que rodam em falso. Lutam em busca de transformação, movimentando-se sem sair do lugar.
Em "A Máquina Tchekhov", espetáculo que estreia amanhã (8) sob direção de Clara Carvalho e Denise Weinberg, o dramaturgo romeno radicado na França Matéi Visniec dá um novo destino aos protagonistas do autor russo morto em 1904.
Na trama, Tchékhov, em seu leito de morte, recebe a visita dos personagens que criou para um acerto de contas. Perambulando sem rumo sobre o palco, como almas penadas, Olga, Macha e Irina, o trio de "As Três Irmãs" e Liubov Ravenskaia, de "O Jardim das Cerejeiras", ganham vida à la "Seis Personagens à Procura de um Autor", clássico de Luigi Pirandello. Surgem diante de um Tchékhov moribundo para lhe contar sobre escolhas e sofrimentos.
Lenise Pinheiro/Folhapress | ||
Os atores Brian Penido e Fernando Poli na peça 'A Máquina Tchékhov' |
As irmãs anunciam que irão, finalmente, mudar-se do interior da Rússia para Moscou. O escritor quer saber quando será a partida. "No ano que vem", respondem, revalidando a conduta costumeira de deixarem os sonhos a um porvir.
Tio Vânia também segue o comportamento habitual, mas consegue arquitetar alguma mudança em seu destino. Se na peça que leva seu nome ele tenta matar o professor Serebriakov e erra o alvo, em "A Máquina Tchekhov", alcança seu objetivo. "Estou feliz por ter matado o homem que matou minha esperança", confessa para Tchékhov.
Denise Weinberg e Clara Carvalho realizam há três anos um grupo de estudos sobre Tchékhov. Veem a montagem como olhar original sobre a obra do escritor russo. O humor de Visniec dá leveza aos dramas existenciais dos personagens. "Visniec não reverencia Tchékhov. Trata-o com certo deboche, mas com respeito e propriedade", diz Weinberg.
O texto é também uma investigação sobre a escrita e o processo de criação do autor russo. "Quis escrever essa peça como uma homenagem a um dramaturgo que me marcou muito e um esforço desesperado de compreender alguma coisa sobre o mistério da escrita", diz Visniec à Folha.
Na trama, Tchékhov se exime da responsabilidade de explicar o destino de suas criaturas mas não se isenta dos conselhos artísticos. Diz para Treplev, o jovem escritor de "A Gaivota": "Seu dever é colocar questões, não respondê-las. Não tente transmitir uma mensagem. Mostre a vida sem tentar provar nada".