• Ilustrada

    Friday, 03-May-2024 05:56:28 -03

    Livro 'O Pecado de Porto Negro' mistura Eça de Queiroz e novela global

    ALMIR DE FREITAS
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    15/08/2015 02h51

    Imagine um romance que seja capaz de juntar um pouco de Eça de Queiroz, um tanto de Jorge Amado, uma pitada de Chico Buarque (o compositor) e um quê de novela de época da Globo.

    Se parece bizarra de cara, é preciso dizer de cara também que a combinação funciona bem em "O Pecado de Porto Negro", do português Norberto Morais, finalista do Prêmio Leya de 2013.

    O cenário é Porto Negro, capital da imaginária ilha de São Cristóvão, ex-colônia no Pacífico de um império desfeito.

    Reprodução
    Gravura do escritor Eça de Queiroz
    Gravura do escritor Eça de Queiroz

    Ali, em princípios do século 20, brotam marinheiros nos cais, imigrantes nas vendas, mulheres saudosas mirando o horizonte desde a cidade de ruas estreitas.

    E também malandros, donzelas prendadas, negras e mulatas habitando o imaginário sensual de uma terra preguiçosa nos trópicos. Fazendo sombra, a civilização ibérica, católica e escravista. Bem sabemos no que isso dá.

    Entre esses personagens está Santiago Cardamomo, estivador-sedutor para quem a "felicidade é uma cerveja gelada e um par de coxas enlaçando a cintura".

    Não surpreende que o boa-vida, adorado por todos, tenha um amor clandestino com Ducélia Trajero, a inocente filha do açougueiro da cidade, Tulentino, um homem cheio de dores do passado.

    À espreita está Rolindo Face, empregado do açougue, filho bastardo de um vigário, nascido em meio às fezes de uma aproveitadora de carnes gordas. De imediato se reconhece em Rolindo o protótipo do vilão à lusitana: sentimental, ressentido, invejoso.

    Não se engana quem deduzir, a partir desse conjunto, uma tragédia. Em boa parte, a narrativa de "O Pecado..." é bastante previsível no que tem, de um lado, de folhetinesco e, de outro, de clássica narrativa realista portuguesa.

    Não que seja um problema –na verdade, trata-se de um trunfo. Jogando com a previsibilidade, o autor cria uma narrativa feita de elipses, em que, não raro, o desfecho de uma situação antecede os fatos que levaram a ele.

    Noutras vezes, o desfecho parece estar à vista, mas dependente de pedaços de histórias que precisam ser ainda contadas. Por mais que o leitor adivinhe o que se seguirá, Norberto avisa que há segredos e motivos "que, se calhar em caminho, talvez se conte". Sempre calhará, é claro.

    No meio desse ir e vir, entre curvas em direção ao passado, o autor faz questão de exibir toda a exuberância da língua portuguesa, como é comum em terras lusitanas.

    Há metáforas impagáveis: "fígado a cozer", coração como "um frango pendurado pelas patas à procura de um chão", todas para descrever os humores de Rolindo Face.

    Desastres acontecem –como um galinheiro funcionando como alegoria da vida amorosa. E, como é comum também acontecer nesses casos, sobram exageros. É duro dizer, mas há virtuosismos linguísticos que sobram nas mais de 400 páginas do romance.

    Romance que, como se verá no final, não nega sua origem folhetinesca. O que é capaz ainda –se calhar– de surpreender o leitor. E não há nada de mau nisso também.

    O PECADO DE PORTO NEGRO
    AUTOR: NORBERTO MORAIS
    EDITORA: LEYA
    QUANTO: R$ 49,90 (416 PÁGS.)

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024