• Ilustrada

    Monday, 29-Apr-2024 07:28:23 -03

    Subgênero do funk, proibidão usa metáforas para falar do crime

    FELIPE GUTIERREZ
    DE SÃO PAULO

    17/08/2015 15h58

    Quando o funk deixou de ser produzido só no Rio e virou um ritmo nacional, ganhou cara própria em diferentes lugares. Em São Paulo, o baile virou "fluxo" e a ostentação ganhou força.

    As mudanças também aconteceram em um subgênero do ritmo, o proibidão, que explora nas letras temas ligados ao crime.

    Nos últimos dois anos, cantores e MCs de proibidão de São Paulo e da Baixada Santista trocaram referências a facções por metáforas que só têm sentido a quem está familiarizado com os símbolos dos grupos criminosos. Os MCs Bin Laden e Kauan são os principais representantes desse proibidão que não ousa dizer o nome.

    A sigla PCC (Primeiro Comando da Capital) quase não aparece de forma explícita nas músicas, mas símbolos e códigos da facção estão lá.

    Um dos maiores sucessos de Bin Laden, "Bololo Haha", começa com o verso o "cabelo da Tony Country pra mostrar que é de vilão", uma referência velada à organização criminosa.

    Tony Country é o apelido dado ao símbolo do yin-yang, que foi incorporado como logo pela marca de roupa Town & Country e, depois, pelo grupo criminoso.

    Simon Plestenjak/UOL
    MC Bin Laden, representante do proibidão, subgênero do funk
    MC Bin Laden, representante do proibidão, subgênero do funk

    O símbolo é forte, diz o MC, porque as pessoas associam o branco ao bem e o negro ao mal, "mas ninguém sabe ao certo qual é qual", o que seria uma metáfora para uma confusão sobre quem é mocinho e bandido.

    Bin Laden, 21, cujo nome verdadeiro é Jefferson Cristian, conta que começou com os proibidões por uma questão de mercado: já havia gente fazendo funk ostentação e falando sobre sexo, e ele resolveu trilhar um caminho menos explorado.

    MC Kauan, que em letras mais antigas chegava a citar a facção explicitamente, passou a mencionar o grupo criminoso de forma encoberta em músicas mais recentes. No funk "Facção", ele usa o dígito 1 5 3 3, um conhecida registro do PCC (os números são a posição das letras que formam a sigla no alfabeto).

    Além da inspiração, há outro elemento em comum do "neoproibidão" que esses dois MCs fazem: shows com muitos elementos cenográficos cheios de conotações ligadas ao universo do crime, diz Renato Martins, do site Funk na Caixa. Bin Laden sobe ao palco com dançarinos fantasiados de árabes com metralhadoras. Kauan é acompanhado de palhaços —segundo Martins, uma imagem usada para sinalizar que a pessoa é inimiga da polícia.

    MC Bin Laden - BOLOLO HAHA (Clipe Oficial)

    FALO MESMO

    O proibidão nasceu no Rio, em festas que aconteciam em favelas dominadas por facções —especialmente o Comando Vermelho.

    "Os bailes de comunidade eram clandestinos e eram lugar onde tocavam músicas clandestinas", diz o compositor Praga, 30.

    Em São Paulo, não existia esse circuito e, por isso, as referências ao PCC são mais veladas, diz.

    Praga afirma que no Rio, hoje, os espaços para os proibidões diminuíram, e que por isso eles estão menos descarados.

    Mas alguns MCs ainda continuam, diz. Um deles, Orelha, é autor de "Na Faixa de Gaza", um hino informal do Comando Vermelho. A letra, de 2009, cita a facção nominalmente e faz referências a assalto e tráfico de drogas.

    O cantor diz considerar sua música "mais tranquila e suave" do que a canção que a antecedeu como emblema do CV, conhecida como "Alemão Tu Passa Mal", do MC Mascote. "A das antigas é muito pesada, fala que vai matar os inimigos", afirma. Ele diz que mesmo entre os funkeiros do Rio as letras estão mais leves. Segundo o musicólogo Carlos Palombini, isso também é consequência de uma perseguição da polícia, que em 2010 prendeu MCs de proibidão.

    Um dos detidos, MC Galo, 40, foi inocentado pela Justiça, que considerou que os cantores não tinham associação com o tráfico.

    Mc mascote alemão tu passa mal porque o COMANDO È VERMELHO

    Galo diz que começou a carreira aos 12 e confirma que as letras da sua época, principalmente no fim dos anos 1990 e começo dos anos 2000, eram mais descaradas. "Eu cantava que um chefe do tráfico ia matar o outro e eu não estava mentindo. E falava Comando Vermelho mesmo, não tinha essa de '15 3 3'."

    Quem critica o proibidão afirma que as músicas não são escritas por vontade própria dos autores, mas por sugestão de chefes de facções. "Os traficantes induzem os MCs a fazerem letras que exaltam os bandidos, oferecendo aos cantores um lugar de destaque nas festas", diz Jones MFJay, que organiza bailes de charme, um outro subgênero de funk, no bairro de Madureira, no Rio.

    As músicas também servem como propaganda para pontos de venda de drogas, afirma. MFJay, cujo nome verdadeiro é Sérgio Barbosa de Oliveira, diz ter propriedade para falar porque, além de trabalhar com bailes, é policial civil "com muito orgulho".

    Os proibidões são ouvidos também pelos investigadores. As canções são uma das fontes pelas quais a polícia fica informada, afirma.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024