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    ANÁLISE

    Cinema de Kleber Mendonça Filho, de 'O Som ao Redor', foge do academismo

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    25/08/2015 02h00

    De Kleber Mendonça Filho já se esperava uma estreia sólida no longa de ficção. Ele vinha de uma atividade relevante como crítico e cineclubista, seu curta de 2009, "Recife Frio", era tido como uma pequena obra-prima, o documentário "Crítico" (2008), punha em questão a atividade crítica de maneira pertinente.

    Ainda assim, "O Som ao Redor" foi uma surpresa. Se a geração de Lírio Ferreira, Paulo Caldas e Claudio Assis havia recolocado Pernambuco no mapa cinematográfico no fim do século passado, esse filme de 2012 marcava o surgimento de uma nova geração, com olhar e ambição próprios.

    A ambição, diga-se, não era pequena: observar num mesmo quadro transformação e permanência em Pernambuco. O que era engenho e coronelismo —uma sociedade voltada para o interior— transformou-se em um conjunto de propriedades à beira-mar.

    Seu patriarca é um temível coronel (W.J. Solha), tão valente que mergulha na praia à noite, sozinho, indiferente aos tubarões. Sua linha de sucessão vai dar no passivo vendedor dos apartamentos da família (tendo estudado na Alemanha!). A meritocracia pode ter caminhos tortuosos.

    Ela contempla, entre outros, o jovem primo semimarginal, que nenhum pobre da rua se atreve a delatar como a pessoa que roubou o rádio de um carro estacionado. Aquele com quem os seguranças não podem se meter.

    O retorno do reprimido se dará, no entanto, a partir de notações tão sutis quanto marcantes: os subalternos que fazem amor na casa vazia; os fantasmas de negrinhos que invadem a rua como que saídos de uma senzala de pesadelo; os seguranças (liderados por Irandhir Santos). Além do som, claro.

    Até a surpresa do final, vemos um mundo que se dobra sobre si, ou que muda para melhor permanecer o mesmo.

    Se o Brasil produziu, ainda que esparsamente, filmes bem interessante neste começo de século, "O Som ao Redor" teve a particularidade de aliar uma narrativa moderna à capacidade de despertar a empatia de um número significativo de espectadores e ganhar muitos prêmios, para não falar de comentários favoráveis nos "Cahiers du Cinéma".

    Tudo isso coloca ao cinema de Mendonça um desafio: dar sequência, junto a um público nada fiel a seus realizadores (vide Walter Salles ou Fernando Meirelles), a uma escola (a recifense) e a uma tendência que busca a comunicação fluente com o espectador ao mesmo tempo em que foge do academismo como o diabo da cruz.

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