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    Conheça Dismaland, a Disneylândia anarquista de Banksy

    LEANDRO COLON
    ENVIADO ESPECIAL A DISMALAND (REINO UNIDO)

    30/08/2015 02h00

    A melancólica e ininterrupta trilha sonora dos altos falantes da Dismaland deprime e atormenta os ouvidos e a cabeça. "Eu sou um imbecil", diz o balão negro de hélio vendido no parque.

    Banksy, o misterioso e célebre artista de rua britânico, tem conseguido, além de repercussão internacional, provocar, enfadar e até divertir as 4.000 pessoas que visitam diariamente sua recém-lançada sátira subversiva da Disneylândia.

    Os ingressos se esgotaram para os próximos oito dias –tudo vendido em minutos pela internet. Com muita sorte, foi possível comprar um para a última quarta (26).

    A exibição vai até o dia 27/9 num local tenebroso, desnivelado, em meio a poças de água e ruínas de uma piscina pública abandonada em Weston-super-Mare, no litoral oeste da Inglaterra.

    Foram quase três horas de viagem de trem de Londres até o local. Na fila de entrada está o estudante Sam Wales, 16, todo animado, ao lado do primo George, 17. "Minha mãe nadou nessa piscina entre os anos 60 e 70", conta.

    Ele é da vizinha Bristol, cidade natal de Banksy, artista que nunca revelou sua identidade. "Mesmo para nós, em Bristol, é um mistério quem é ele", diz o estudante.

    Com apoio de cerca de 60 artistas, entre eles o britânico Damien Hirst, Banksy apresenta algo contestador, grotesco e, depois de algumas horas de passeio, bem entediante.

    O nome do parque faz trocadilho com "Dismal" (sombrio, em inglês) e, obviamente, Disneylândia. "É a nova atração mais decepcionante do Reino Unido", diz o slogan.

    Com orelhas do Mickey e forçando uma cara fechada, o staff checa na entrada se burlamos as regras: são proibidas facas e tintas de spray.

    Leva-se uns 40 minutos de fila só para conhecer o castelo da Cinderela, onde, num corredor com goteiras, uma TV velha de 14 polegadas transmite o clássico da bela e do príncipe encantado. Do lado de dentro, Cinderela está morta, com sua carruagem capotada e seis paparazzi registrando imagens da falecida.

    Todo visitante pode tirar foto num fundo neutro e pagar por uma montagem dela em meio à cena que vitimou a pobre princesa.

    Do lado de fora, um lago reproduz barcos de refugiados e uma patrulha, em alusão à crise imigratória da Europa.

    O lance é pilotar, com uma direção, a patrulha que persegue e atira nas embarcações de miseráveis. Dois irmãos, de cinco e oito anos, se divertem no "brinquedo".

    Duas idosas não param de rir ao pescar patos amarelos de plástico em um outro lago, poluído por óleo –"Não roubem os patos", avisa a placa.

    "Venha pescar também, veja como ela [a idosa] está feliz", me diz, sem gritar, um 'orelhudo' depressivo do staff do parque. Fui um fiasco.

    Um banco de mentira oferece empréstimos para crianças a juros de 5.000%.

    Ao lado, duas das três filhas do casal irlandês Richard e Nicole Meere jogam minigolfe. Para atingir o buraco, a bolinha precisa superar galões de gasolina. "Achei importante trazer as meninas, pela mensagem", afirma a mãe.

    TERROR

    O parque de Banksy, artista que recentemente fez um trabalho de impacto em Gaza, após visita secreta à região, foi revelado no dia 20 e aberto ao público dois dias depois.

    A Dismaland foi construída sob sigilo numa área de 10 mil m2, de frente para o mar. A versão para curiosos e funcionários contratados era a de que a área tinha sido alugada para um filme de terror.

    Por um porta-voz, Banksy diz que o local faz parte de sua infância e que há seis meses decidiu montar o parque. Ao apresentar o projeto, alertou que não trata de histórias com final feliz, mas de um espaço anarquista para iniciantes.

    "É um tipo diferente de um passeio em família. O conto de fadas acabou", informou.

    LUCRO DE R$ 2,5 MI

    Não se deve chegar de bolso vazio para se divertir –ou se deprimir– no parque anárquico de Banksy.

    Na subversiva Dismaland, paga-se £ 2 (R$ 11) até para tentar levar uma bigorna para casa. Mas só se conseguir derrubá-la com uma bolinha de pingue-pongue.

    É também possível tomar –pagando, é claro (£ 4, ou R$ 22) – uma "pint" da cerveja irlandesa Guinness. A expectativa é que o projeto arrecade £ 440 mil (R$ 2,5 milhões) com a venda de ingressos.

    O valor leva em conta 4.000 bilhetes por dia, ao preço anunciado de £ 3 (R$ 16,50), durante 37 dias.

    Reprodução/Dismaland
    Mapa do parque temático Dismaland, que o artista Banksy criou na Inglaterra
    Mapa do parque temático Dismaland, que o artista Banksy criou na Inglaterra

    No bolso do visitante, no entanto, esse ingresso já custa £ 5 (R$ 27,50) por causa da taxa cobrada pela transação na internet –único meio seguro para garantir um bilhete diante da repercussão e correria por uma entrada.

    É preciso desembolsar £ 5 pelo pôster-recordação do "Summer-2015" com a foto-montagem no cenário trágico da Cinderela e os paparazzi. Na saída, há uma "gift-shop", com camisetas "Dismaland" a £ 20 (R$ 110).

    Não se cobra nada mais, porém, para conhecer uma galeria de arte contemporânea de artistas da região, uma maquete que critica o estado policialesco, ler livros numa biblioteca improvisada, nem assistir ao cinema a céu aberto que reveza e repete curtas de contestação do status quo.

    "Esse evento é muito mais do que uma mostra de arte. Tem um bar e um cinema", escreve Banksy, ironicamente, no caderno de apresentação –vendido a £ 5 (R$ 27).

    Questionada pela Folha, a assessoria do artista não respondeu quanto foi gasto na montagem do parque. A versão oficial é a de que Banksy o bancou do próprio bolso.

    A construção recebeu o aval das autoridades do condado de Somerset, que apostam no aumento do comércio da pacata Weston-super-Mare, de 76 mil habitantes, nas cinco semanas de exibição.

    Em 2009, uma mostra de Banksy de três meses no museu de Bristol, sua cidade natal, atraiu 300 mil pessoas, gerando £ 10 milhões (R$ 54 milhões) para a economia da cidade.

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