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    'Purity' é a trama mais ágil e intimista de Jonathan Franzen

    MICHIKO KAKUTANI
    DO "THE NEW YORK TIMES"

    29/08/2015 02h10

    Em seu dinâmico romance novo, o americano Jonathan Franzen traça um retrato divertido de um escritor que se debate para escrever um livro "que lhe garanta seu lugar no cânone americano moderno".

    Franzen é conhecido por dois grandes romances, "As Correções" e "Liberdade", que oferecem uma grande angular da vida da classe média americana e ajudaram a consolidar sua reputação como um dos escritores mais talentosos de sua geração.

    Seu romance mais recente, "Purity", é menos panorâmico em seu propósito. Embora a trama empolgante e ágil passe pela queda do Muro de Berlim, arquivos roubados da Stasi e uma ogiva termonuclear desaparecida no Texas, o livro foca os personagens principais: uma jovem chamada Purity (ou Pip, como ela se apelida), que procura seu pai, e uma figura à moda de Julian Assange que quer convencer Pip a trabalhar para ela na América do Sul.

    Hector Guerrero/AFP
    O escritor norte-americano Jonathan Franzen durante entrevista coletiva, durante a Feira Internacional do Livro de Guadalajara, em Guadalajara, no México. *** US writer Jonathan Franzen smiles during a press conference at the International Book Fair of Guadalajara, Mexico, on November 24, 2012, in Guadalajara, Jalisco state. AFP PHOTO/Hector Guerrero
    O escritor norte-americano Jonathan Franzen, autor de 'Purity'

    Os esforços dessas pessoas para definir suas identidades e lidar com o emaranhado confuso de suas vidas estão ao cerne do romance, o mais ágil, menos inibido e mais intimista de Franzen até hoje.

    As histórias dos personagens avançam agressivamente no tempo, mas se abrem para dentro, mergulhando fundo em sua própria psique e ressaltando o que parece ser a determinação de Franzen de seguir adiante com os passos que tomou em "Liberdade" para criar pessoas capazes de mudar, até de transcender –e de permitir-se sentir algo como empatia com elas.

    É certo que não faltam em "Purity" personagens ressentidos com traços desagradáveis –raiva fortíssima e inveja de alta intensidade, somadas a muito narcisismo passivo-agressivo e autopiedade. E as páginas iniciais do romance, que apresentam Pip, sugerem, de modo deprimente, que teremos que encarar uma heroína que é uma "cretina crítica", que traz à tona as piores tendências de condescendência de seu criador.

    Não está claro se Franzen pretende que Pip seja tão irritante já num primeiro momento. Ou se ele está simplesmente se reequilibrando, recorrendo à configuração padrão antiga de sarcasmo antes de encontrar uma trilha nova e convincente a seguir.

    Felizmente, o livro ganha agilidade e nuance em pouco tempo; Pip e os outros personagens principais emergem como pessoas complexas e desiguais que nos obrigam a lhes dar nossa atenção.

    Pip, que se sente sufocada por sua mãe reclusa e carente, parte, como Telêmaco, em busca de seu pai misterioso, o alemão oriental Andreas Wolf. Provocador e sedutor de mulheres, Wolf está fugindo das autoridades e se torna chefe de uma organização do tipo do WikiLeaks, ganhando notoriedade e fama mundiais.

    Tom Aberant, que conheceu Andreas anos atrás, funda um serviço de jornalismo investigativo. E Leila Helou, repórter em busca de um furo de grandes proporções, vive dividida entre seu verdadeiro amor, Tom, e seu marido, o deficiente físico Charles, um escritor determinado a criar um grande livro. Leila acolhe Pip como protegida e a trata como uma filha adotiva.

    Franzen faz essas tramas paralelas se encaixarem, usando doses fartas de coincidência dickensiana e reviravoltas diversas para criar suspense e entreter o leitor. E demonstra a facilidade com que recria mundos inteiros com alguns toques no teclado.

    Em vez de martelar pesadamente o tema da pureza, o assunto do romance, Franzen o deixa emergir organicamente. E, em lugar de tratar seus personagens com paternalismo, revela uma capacidade maior de retratá-los de dentro para fora, lutando com um turbilhão de emoções.

    Com isso, o autor acrescentou uma nova oitava à sua voz. Tanto que, mesmo os leitores que tenham achado seus livros anteriores misantrópicos, demasiado cheios de fel, provavelmente vão apreciar a capacidade que ele demonstra aqui não apenas de satirizar os impulsos humanos mais sombrios e mesquinhos, mas também de captar o anseio de seus personagens por conexão e um reinício.

    PURITY
    AUTOR: Jonathan Franzen
    EDITORA: Farrar, Straus & Giroux (lançamento em 1º/9)
    QUANTO: US$ 28 (R$ 100; 563 págs.)

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