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    crítica

    Boa leitura de 'Beijo no Asfalto' é mais cuidadosa que ousada

    GUSTAVO FIORATTI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    31/08/2015 02h10

    Beijo gay, a gente que vê novela sabe, não é tema do século passado. Mas não é por essa bobagem que "O Beijo no Asfalto" continua tão atual.

    Nesta primorosa obra de Nelson Rodrigues, a imagem dos lábios colados de dois homens desprende-se da esfera moral e, sublimada no poder do perdão, escapa belamente o risco de haver um homofóbico louco na plateia. Casado, Arandir, o protagonista, socorre um desconhecido que foi atropelado, e este lhe pede um beijo antes de morrer.

    Os desdobramentos melodramáticos, eles sim, correm pela leitura mais estreita dos costumes, colocando em debate o preconceito, o machismo, a ferocidade da imprensa, retratada como instituição sem freios, ultrassensacionalista. Inocente de tudo, Arandir acaba acuado por uma onda de sentenças morais.

    Em cartaz no espaço dos Parlapatões, uma montagem com o Grupo de Segunda e direção de Jair Aguiar dá velocidade a esta espécie de queda de castelo de cartas, com interpretações mais secas, sem cortes entre cenas e atos.

    Trata-se de uma leitura que se avoluma mais pelo cuidado que pela ousadia, com todos os integrantes do elenco presentes em tempo integral: para sair de cena, um ator simplesmente volta a sentar-se em sua respectiva cadeira.

    O recurso é manjado, mas na leitura de Aguiar ressalta a intenção de estabelecer níveis de orquestração, dando ao texto ares de partitura, com atores no mesmo tom, atentos à ocupação que varre o palco em sua totalidade.

    A afinação da leitura se dá nos detalhes, o que poderia ser ainda mais explorado. O sogro de Arandir, que o ataca desmedidamente, é engrandecido pela atuação de Antonio Netto, que evita ao máximo encarar a atriz que faz a filha casada. Netto deu sentido a um personagem difícil.

    A cenografia de Marcio Tadeu coloca figuras de policiais e jornalistas em cadeiras altas ao fundo do palco, empoleirados, como urubus ou semideuses. Para criticar esses imaginários agentes da moralidade, valeria outra dose de caricatura?

    É onde Nelson se fragiliza, dependendo da leitura que lhe conferem.

    O BEIJO NO ASFALTO
    QUANDO: qua. e qui., às 21h; até 15/10
    ONDE: Espaço Parlapatões, pça. Roosevelt, 158, tel. (11) 3258-4449
    QUANTO: R$ 40
    CLASSIFICAÇÃO: 12 anos

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