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    crítica

    Parlapatões dizem o que ninguém fala sobre dor da paternidade

    GUSTAVO FIORATTI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    31/08/2015 02h12

    A palavra "sujeito" é uma preciosidade da língua portuguesa, transmuta-se de acordo com o verbo que a acompanha. "Ser [o] sujeito" é diferente de "estar sujeito".

    A peça "Até que Deus É um Ventilador de Teto", nova investida dos Parlapatões, se desdobra sobre o segundo destes dois significados.

    Lenise Pinheiro/Folhapress
    Sao Paulo, SP, Brasil. Data 26-08-2015. Espetáculo Ate que Deus e um ventilador de teto. Atores Hugo Possolo (Blusa azul) e Raul Barreto Espaco Cenico - Sesc Pompeia. Foto Lenise Pinheiro/Folhapress
    Hugo Possolo (à frente) e Raul Barreto na peça 'Até que Deus É um Ventilador de Teto'

    A peça abre com a cena de um anzol descendo sobre a cabeça do protagonista, homem comum numa cidade louca, prestes a ser fisgado, não importa por quem.

    Autor do texto, Hugo Possolo assume o papel. A direção é de Pedro Granato.

    No intento de expor um estado da alma cujos vetores convergem para a sugestão de um ciclo (o do homem metafísico), a peça é obrigatória.

    Ela diz o que ninguém quer dizer, expõe dores estranhas, destrói velhas simbologias da paternidade. Dedica-se não exatamente à figura de um pai, mas a de um homem que perdeu essa importância, destituído de significância após a independência do filho.

    O personagem navega pela cidade em um carro confortável, flutua, mas não percebe a sensação de levitar como condição de liberdade. Enquanto dirige, perde contato. Sequestrado por um esquizóide de rua (Raul Barretto), termina arrastado involuntariamente para uma espécie de exílio da realidade, sob a luz fantástica que atravessa as pás de um ventilador de teto. Com desenhos precisos, a iluminação de Aline Santini faz um artesanato rico de metáforas.

    BÍBLICO
    A menção a Deus desvia a atenção para uma paródia bíblica. Entre o Senhor (o Pai) e Jesus (o filho), sobra em cena essa espécie de José, aquele que perdeu seu papel no meio da narrativa, ou que assim pode ser visto, inclusive por si próprio.

    É interessante que a peça associe a sensação trágica da perda de significância à paternidade, falando inclusive de culpas e medos, mas seu sentido filosófico abrange qualquer perturbação anímica do sujeito que se perde na devoção ao outro (ao filho, a Deus, à mulher, ao dinheiro e daí por diante). A voz cômica de Possolo ganha tratamento peculiar, fica opaca.

    ATÉ QUE DEUS É UM VENTILADOR DE TETO
    QUANDO: qui. a sab., às 21h, dom., às 19h; até 13/9
    ONDE: Sesc Pompeia, r. Clélia, 93, tel. (11) 3871-7700
    QUANTO: R$ 7,50 a R$ 25
    CLASSIFICAÇÃO: 14 anos

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