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    Exposição em SP resgata tradição das carrancas no rio São Francisco

    NINA RAHE
    DE SÃO PAULO

    31/08/2015 12h56

    "Acho que sou o culpado da extinção das carrancas: fiz tanta propaganda, publiquei tantas fotografias que, parece, houve uma corrida dos colecionadores. Compraram-se todas", lamentou Marcel Gautherot em depoimento para a revista "Sombra", de 1951.

    O francês, que viveu no Brasil até morrer, em 1996, registrou a população ribeirinha do rio São Francisco, com seus barcos protegidos pelas figuras de cavalos e leões, em traços muitas vezes antropomórficos. As imagens do fotógrafo estão agora expostas na mostra "A Viagem das Carrancas", na Pinacoteca do Estado de São Paulo, ao lado de 41 peças de proa —nove delas são as mesmas que aparecem nas fotos.

    Entalhadas em madeira, as carrancas serviam para identificar os barcos e afugentavam perigos, maus presságios e seres sobrenaturais. Quando Gautherot chegou ao São Francisco, em 1946, as grandes barcas ainda prevaleciam nas águas do rio, mas estavam em declínio.

    Típicas do médio São Francisco, algumas tinham até 16 remeiros e percorreram de Pirapora a Juazeiro entre 1880 e 1950. Perderam lugar para as embarcações motorizadas e as carrancas que antes figuravam nas proas migraram para museus e coleções particulares —a arquiteta Lina Bo Bardi as expôs em mostra de 1959, entre outras ocasiões.

    "Com a enorme divulgação do gênero, a produção das carrancas perdeu o rigor. Elas se tornaram mais um objeto de mercado e abandonaram o diálogo com a cultura local", diz Lorenzo Mammi, curador da exposição, que tomou contato com os objetos através da documentação das mostras de Lina.

    Das figuras expostas atualmente, muitas foram feitas por Francisco Biquiba dy Lafuente Guarany, conhecido como o maior escultor de carrancas do São Francisco.

    Com uma produção que se diferencia pela qualidade estética e pelo repertório original, o mestre Guarany produziu dos 19 aos 97 —morreu em 1985, aos 103 anos. Em vídeo de 1974, que integra a exposição, ele deixou o depoimento que poderia apaziguar a culpa de Gautherot: "As carrancas espantavam as feras do rio, mas o São Francisco não tem mais aquelas feras que tinha antigamente, o barulho dos motores as afugentou".

    A VIAGEM DAS CARRANCAS
    QUANDO ter. a dom., das 10h às 17h30; até 18/10
    ONDE Pinacoteca do Estado de São Paulo, pça. da Luz, 2, tel. 3324-1000
    QUANTO grátis

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