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    Exposição reconstitui 450 anos do Rio que era para ter sido e não foi

    LUIZA FRANCO
    DO RIO

    04/09/2015 02h00

    O que o Rio de Janeiro queria ser quando crescesse? Em 1877, queria ser uma cidade com um túnel submarino que a ligasse a Niterói, do outro lado da baía de Guanabara. Em 1968, queria poder dizer que iria ter um metrô que chegaria até Jacarepaguá, na zona oeste. Ficou querendo os dois e muito mais.

    Como mostra a exposição "Rio 450 Anos: Uma História do Futuro", da Biblioteca Nacional, o Rio está acostumado a grandes transformações desde sua fundação, há 450 anos, como a que vive hoje, impulsionada pela conquista da Olimpíada de 2016. Mas está igualmente habituado a não vê-las sair do papel.

    A história das transformações da cidade, as que vingaram e as que não, principalmente as desde o Império (1822-1889) até hoje, é contada por meio de 236 plantas, mapas, fotos, gravuras, charges e outros documentos do acervo da BN. Mais do que os planos em si, a exposição mostra que, de boas intenções, o Rio sempre esteve cheio.

    Biblioteca Nacional
    Comissao fiscal e administrativa das obras do Porto do Rio de Janeiro. Obras de Melhoramentos do Porto do Rio de Janeiro. Projeto organizado pelo engenheiro Francisco de Paulo Bicalho. Londres, [ca. 1903]. http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart1407025/cart14070 Foto: Biblioteca Nacional ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Projeto para obras de melhoramentos do porto do Rio, de autoria do engenheiro Francisco de Paulo Bicalho

    Parte disso, dizem especialistas, é culpa da filosofia do "não vou botar azeitona na empada dos outros". "O último governo que de fato planejou alguma coisa foi o de Carlos Lacerda (1961-1965)", diz o arquiteto e historiador Nireu Cavalcanti, autor de "O Rio de Janeiro Setecentista".

    Com Lacerda, abriram-se túneis, como o Santa Bárbara e o Rebouças, e vias expressas, como a do aterro do Flamengo. "Os posteriores abandonaram tudo o que foi planejado e começaram seus próprios projetos".

    Por exemplo, o estudo de viabilidade econômica e técnica do metrô, elaborado em 1968 para o governo do Estado, que dizia ser necessário levá-lo até Jacarepaguá.

    O palco do futuro distópico já estava montado: "Caso não se tenha dado ao tráfego individual outra alternativa, a rede de vias públicas, já altamente sobrecarregada, o será ainda mais pelo número consideravelmente aumentado de carros particulares", diz o texto. A zona oeste hoje concentra os bairros com o menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).

    PACTO FRENÉTICO

    Apesar disso, os cariocas tiveram de esperar até 1979 para ver a inauguração de 4,3 km de trilhos ligando cinco estações na região central. Hoje aguardam a conclusão da modesta extensão da linha até a Barra da Tijuca, bairro próximo a Jacarepaguá.

    "O Rio sempre teve um pacto frenético com o futuro. Pode não ter dado certo, mas nunca parou de pensar sobre si", diz o curador, o escritor carioca Marco Lucchesi.

    Foram muitos os que projetaram para a cidade um futuro que nunca chegou. Talvez um dos mais ousados tenha sido o arquiteto carioca Sérgio Bernardes (1919-2002).

    Seu projeto "Rio do Futuro "" Antevisão da Cidade Maravilhosa no Século da Eletrônica", publicado em um número especial da revista "Manchete" em 1965, tinha, entre outras propostas, uma ponte Rio-Niterói passando fora da baía de Guanabara e com prédios e hotéis ao longo dos pilares de sustentação.

    "A Ponte Turística seria a 'marca' da Guanabara, como a Torre Eiffel é a marca de Paris [....] esses hotéis seriam como transatlânticos ancorados numa das mais belas paisagens do mundo", dizia a reportagem, há 40 anos.

    DENTE CARIADO

    Apesar de muitos planos não concretizados, o Rio foi palco de mudanças radicais na paisagem urbana ao longo da história. Vide o "bota-abaixo" do prefeito Pereira Passos (1902-1906), demolição de cortiços e favelas para higienizar a cidade e reconstruí-la nos moldes de Paris –algo que a Comissão de Melhoramentos, espécie de plano diretor do Império, previu, mas não conseguiu executar.

    Biblioteca Nacional
    Raul Lima. Vista aérea da Praça XV. [196-]. Fotografia. Praça XV com destaque para o Elevado da Perimetral, derrubado entre novembro de 2013 e abril de 2014 . Foto: Biblioteca Nacional ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Vista aérea da praça 15, com destaque para o elevado da Perimetral, na região central do Rio, derrubado entre novembro de 2013 e abril de 2014

    Ou a derrubada do Morro do Castelo, no centro, em 1921, porque o prefeito Carlos Sampaio o achava "feio como um dente cariado na boca de uma moça bonita" –fotos do morro estão na exposição.

    Também é, em parte, a estética o que motivou o prefeito Eduardo Paes (PMDB) a derrubar, em 2014, a Perimetral, viaduto que ligava o centro a parte da zona norte.

    Passear pela exposição é, de certa forma, como ter "déjà-vus" em série. Como já dizia um Machado de Assis perplexo no final século 19, "Mudaram-me a cidade ou mudaram-me para outra".

    REFORMAS MAL EXECUTADAS

    A cidade do Rio de Janeiro não tem para onde correr. É espremida entre o mar, os morros e a floresta. As condições geográficas determinaram sua expansão e justificaram as intervenções do poder público –aterros, derrubada de morros, túneis.

    O problema, dizem especialistas, é que elas foram mal executadas e reforçaram desigualdades.

    "Cada vez que acontece um fato inusitado no Rio –desde a chegada da Corte [1808] até a Olimpíada, são feitas obras que não têm nenhuma relação com as necessidades da população. O governante aproveita para fazer o que tem na cabeça", diz o arquiteto e historiador Nireu Cavalcanti.

    "Veja todas as transformações que a exposição [Rio 450] mostra. São todas na região central da cidade. O subúrbio sempre ficou entregue à informalidade", diz o arquiteto e urbanista Canagé Vilhena.

    Para ele, o máximo que se faz é facilitar o acesso de quem não mora no centro a ele, em vez de garantir às outras áreas a disponibilidade de funções sociais e urbanas –circulação, moradia, trabalho e lazer.

    Os planos urbanísticos que nunca viram a luz do dia tiveram cada um o seu enterro. Alguns eram inviáveis tecnicamente, outros esbarraram em obstáculos políticos e econômicos.

    Foi assim que morreu o Plano Agache, elaborado pelo arquiteto francês Donat Agache (1875-1959), que previa planejamento do transporte de massas, crescimento das favelas e delimitação de áreas verdes. Seu relatório pode ser visto na exposição.

    Concluído em 1930, foi interrompido pela revolução que aconteceu naquele ano e nunca retomado. "A falta de continuidade sempre foi um obstáculo à execução de planos urbanísticos", afirma Andréa Redondo, ex-subsecretária municipal de urbanismo do Rio (1993-1996).

    Para ela, as transformações que estão sendo feitas para a Olimpíada não contarão uma história diferente. "Os erros do passado estão sendo repetidos agora."

    "As construções para a Olimpíada estão na Barra, região que não carece de investimento –pelo contrário, desperta o interesse do setor imobiliário."

    RIO DE JANEIRO 450 ANOS: UMA HISTÓRIA DO FUTURO
    QUANDO de ter. a sex., das 10h às 17h, sáb., das 10h30 às 14h; até 30/10
    ONDE Biblioteca Nacional - r. México, s/nº, Rio, tel. (21) 3095-3879
    QUANTO grátis

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