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    crítica

    Livro sobre messianismo coloca em perspectiva a religião no Brasil

    REGINALDO PRANDI
    RENAN WILLIAM DOS SANTOS
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    19/09/2015 13h18

    O medo do fim do mundo nasce com a religião, que na ausência da ciência tratou de explicar como tudo começou e terminará. Esse medo persiste, mas os desígnios divinos foram substituídos pelas estripulias humanas como causas do fim do mundo. Mesmo a religião hoje aponta a ação do homem contra o planeta como razão do apocalipse.

    A crença sobre o fim do mundo de cada religião forma sua escatologia. Na escatologia bíblica, que envolve a luta do bem contra o mal, nos últimos tempos o diabo ficará preso por mil anos, período em que os merecedores viverão de novo o paraíso na Terra. Após esse milênio de paz e prosperidade, o diabo será solto e derrotado, acontecendo então o Juízo Final. Isso é milenarismo.

    Em certos casos, pode-se esperar a intervenção nesse episódio de um enviado divino, o messias, que deve guiar o povo para que o bem vença de uma vez o mal, promovendo o advento do paraíso terrestre. Isso é messianismo.

    Interpretações dessas crenças têm sido fonte de movimentos milenaristas e messiânicos. Tanto no milenarismo como no messianismo, a religião orienta completamente a vida dos fiéis e suas coletividades. Mas essa é uma modalidade de religião extra cotidiana, excepcional. Não é para durar, não pode durar. Daí, costumeiramente, ser chamada de surto.

    No livro "Messianismo e milenarismo no Brasil", organizado por João Baptista Borges Pereira e Renato da Silva Queiroz, os surtos mais famosos são tratados em ensaios de diferentes autores, de diversas áreas, muitos publicados anteriormente em veículos hoje de difícil acesso.

    Do antigo sebastianismo português, passando por Canudos, até casos mais recentes, como os do Contestado e de Catulé, entre outros, o livro traça um rico panorama dos movimentos que marcaram um Brasil de religiosidade tradicional, buscando as origens conceituais do tema no judaísmo antigo e avançando na direção de movimentos brasileiros de raízes católicas, evangélicas e indígenas.

    Todos esses casos têm em comum um estilo de religião hoje esvaziada em nossa sociedade, mas os milenarismos e messianismos continuam a se reproduzir, em geral, independentemente da religião. A ideia do apocalipse sobrevive ao fim das profecias religiosas. Veja-se o midiático caso do fim do mundo anunciado para 2012.

    A força da religiosidade brasileira de hoje, pintada com cores generosas por analistas que se rejubilam com um improvável retorno do antigo poder da religião, não chega aos pés da intensidade dos movimentos messiânicos e milenaristas brasileiros nessa coletânea. Até por isso, uma das contribuições do livro é ajudar a pôr em perspectiva o cenário religioso atual.

    REGINALDO PRANDI é professor de sociologia da USP
    RENAN WILLIAM DOS SANTOS é mestrando em sociologia da USP/FAPESP

    MILENARISMO E MESSIANISMO NO BRASIL
    ORGANIZADORES João Baptista Borges Pereira e Renato da Silva Queiroz
    EDITORA Edusp
    QUANTO R$ 52 (280 págs.)
    AVALIAÇÃO muito bom

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