• Ilustrada

    Friday, 03-May-2024 16:01:57 -03

    Documentário retrata vida de brasileiras casadas com presidiários

    ANGELA BOLDRINI
    DE SÃO PAULO

    24/09/2015 12h25

    Em 2001, a carioca Joana Nin trabalhava como repórter para a emissora paranaense TV Iguaçu (hoje, Rede Massa) quando foi enviada para cobrir uma violenta rebelião na Penitenciária Central do Estado do Paraná.

    Após o fim da crise, a jornalista reparou em um grupo de cerca de cem mulheres que esperava na porta do presídio pelo dia de visita e descobriu que não se tratava de uma exceção: todos os finais de semanas aquelas mulheres iam passar às vezes duas noites na porta da penitenciária para ver seus maridos e namorados.

    "Descobri um universo paralelo", diz. "E comecei a pensar em uma forma mais perene que uma reportagem para retratar aquele universo." Assim surgiu o curta-metragem "Visita Íntima", lançado em 2005 e vencedor do festival É Tudo Verdade no ano seguinte.

    Foi o curta que deu origem ao documentário que Nin lança agora em São Paulo, "Cativas - Presas pelo Coração", em que a diretora conta a história de sete mulheres e seus namorados presos. Todas as histórias se passam na mesma penitenciária da rebelião de 2001, e foi filmado em 2012.

    "Cativas" traz personagens como Kamila, 21, que namora há sete meses com um homem preso há dez anos, que conheceu por intermédio da família dele; ou Camila que, grávida, tem de esperar o dia de visita na cadeia para revelar ao namorado o sexo do bebê; já Cida viveu durante oito anos em um relacionamento com um preso, que conheceu também já na cadeia. Depois que ele foi solto, a relação desmoronou.

    Tem também o companheiro de Simone, detido depois de passar meses nas ruas usando crack e roubando, mas ela não o abandona. E Andrea sonha em se casar com o pai de seus filhos, nem que seja na prisão.

    "Elas se sentem de alguma forma amadas", afirma a diretora. "Acho que é a forma feminina de amar. Eu não consigo enxergar esses relacionamentos como muito diferentes dos nossos, nós aqui de fora também amamos demais."

    REVISTA VEXATÓRIA

    Algumas das cenas do longa tiveram de ser gravadas fora do horário de visita normal, conta Nin. É o caso das duas visitas que as mulheres fazem ao presídio —uma foi agendada para um feriado e a outra, para uma quinta-feira. "Pela minha experiência [com 'Visita Íntima"], muitas das mulheres não querem aparecer em vídeo porque tem medo de perder o emprego etc.. Então é difícil filmar em um dia de visita normal."

    Assim, foi armado com a penitenciária um dia para que 26 casais tivessem um dia extra no pátio. As mulheres concordaram de pronto, afirma ela, atraídas pela possibilidade de um dia a mais com seus amados. A filmagem, no entanto, foi tensa, pois, ao contrário dos dias normais, misturavam-se no pátio presos de diferentes alas e facções.

    A cena da visita íntima foi gravada depois, já na montagem do filme. "Achamos que seria importante retratar isso, porque é o momento de maior intimidade", diz ela. "Mas não é uma cena fácil de fazer. Filmamos as preliminares e depois deixamos só o áudio sendo gravado."

    De fato, alguns desses momentos arranjados parecem pouco naturais, como na cena em que dois presos escrevem cartas paras as mulheres e conversam amenidades em uma cela já desativada.

    Mas, se a visita ao presídio foi agendada, os procedimentos de entrada para as visitantes não foram alterados. Além das cartas de amor trocadas entre as mulheres e seus companheiros e os anseios delas, "Cativas" tem uma cena polêmica, em que uma das mulheres passa pela revista vexatória. A prática, que consiste em fazer com que a visitante se dispa e se agache sobre um espelho, mostrando os genitais para os agentes penitenciários, é uma das mais controversas do sistema carcerário brasileiro.

    "Isso tem que acabar. É humilhante, agressiva", diz Nin. "Nesse caso [a cena] é para chocar mesmo. Elas se deixaram filmar porque se sentem tão aviltadas que acham que mostrar isso publicamente pode fazer com que acabe. É um método medieval."

    No Estado de São Paulo, a revista vexatória foi proibida em 2014, mas a diretora não acredita que a prática tenha sido extinguida. "Há uma resistência forte à implantação de scanners dentro do sistema carcerário."

    REABILITAÇÃO

    Para Nin, o Estado deveria olhar para mulheres como as do filme "mais como aliadas". "Elas estão preocupadas com a ressocialização desses homens. Podem me chamar de inocente o quanto quiserem, mas eu acredito que uma das motivações delas seja ver eles em outra vida," diz. "Eu acho que se o homem preso não tiver, além de um trabalho, um vínculo afetivo, ele não tem chance. O sistema se preocupa mais com a segurança que com a recuperação."

    A contrapartida, no entanto, não ocorre. "Ele ficou com ciúmes e eu disse: 'se eu que tivesse presa, você ia lá me visitar? Ia nada! Eu vejo o presídio das meninas, está sempre vazio", diz Kamila em uma das cenas.

    Ao contrário dos homens, as mulheres presas tendem a ser abandonadas por familiares e companheiros. "A sociedade não aceita a mulher bandida, a menos que seja cúmplice do marido."

    "Cativas - Presas pelo Coração" estreia nesta quinta (24), no Cine Belas Artes, às 20h20. Após a sessão, haverá um debate com a diretora, a psicanalista Maria Lucia Homem, a produtora Elaine Dias, da ONG Capão Cidadão e esposa do Mano Brown, dos Racionais MC's e de Adriana Martorelli, presidente do Conselho de Política Criminal da OAB.

    CATIVAS - PRESAS PELO CORAÇÃO
    QUANDO: estreia nesta quinta (24)
    ONDE: Cine Belas Artes, Av. Consolação, 2423, Tel. (11) 2894-5781
    CLASSIFICAÇÃO: 12 anos
    DIREÇÃO: Joana Nin

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024