• Ilustrada

    Wednesday, 01-May-2024 21:34:13 -03

    Tradicional no interior, orquestra de Ribeirão agoniza com pouco patrocínio

    MARCELO TOLEDO
    DE RIBEIRÃO PRETO

    06/10/2015 12h15

    A primeira vez em que viu a Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto se apresentar, ainda criança, ele se emocionou e passou a estudar para um dia fazer parte daquele seleto grupo de músicos. Conseguiu.

    Nos últimos meses, voltou a chorar. O motivo é outro: não recebe salários em dia da orquestra há seis meses e se vê obrigado a trabalhar como mototaxista ou vendedor de cosméticos para pagar as contas e preparar a família para o filho que chegará nos próximos meses.

    A história do trompetista Natanael Tomas, 22, é apenas uma da crise que atinge a orquestra que já teve Roberto Minczuk como seu regente titular. Além dos salários seguidos com atraso, o jovem músico não recebeu também o 13º do ano passado e parte dos rendimentos de dezembro.

    Uma das mais tradicionais do interior, a OSRP teve seu auge nas regências de Minczuk (1995-2000) e Cláudio Cruz (2002 e 2005-11). Nas ocasiões, era comum a orquestra encher o Theatro Pedro 2º com suas apresentações.

    Divulgação
    Músicos da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto, que passa por grave crise financeira
    Músicos da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto, que passa por grave crise financeira

    Mantenedora da orquestra desde 1938, a Associação Musical de Ribeirão Preto vive uma das maiores crises de sua história e vê o desinteresse tomar conta de músicos e a dificuldade para angariar patrocínios.

    Com custo estimado de R$ 3 milhões anuais, a orquestra ainda perdeu neste ano uma verba de R$ 400 mil da Prefeitura de Ribeirão Preto. Patrocinadores como Arteris (concessionárias de rodovias) e usinas de açúcar e etanol (Companhia Energética Santa Elisa, por exemplo) deixaram de patrocinar o grupo musical nos últimos anos.

    Com isso, nos cálculos de três músicos ouvidos pela Folha, ao menos dez já abandonaram a atividade nos últimos meses devido às dificuldades. Restam cerca de 45, que, segundo eles, tocam mais por prazer que por profissão. No auge, já foram mais de 60 músicos –número considerado adequado para uma orquestra.

    Um violinista conta que deveria gastar mais de R$ 200 num jogo de cordas para seu instrumento, mas tem comprado um de qualidade inferior por menos de R$ 50 —o que interfere na qualidade musical—, por não ter dinheiro. Esse é outro obstáculo da orquestra: em outras, os músicos recebem uma ajuda de custo para manter os instrumentos, o que não ocorre em Ribeirão.

    FAIXAS PEDEM AJUDA

    Desde que a crise foi deflagrada, músicos têm exibido faixas ao final das apresentações pedindo ajuda para a orquestra não acabar. O maestro João Carlos Martins também se apresentou de graça, em julho, num concerto com o objetivo de arrecadar dinheiro para pagar os músicos.

    "Faltam músicos para trombone, fagote, trompa e oboé. Chorei dias escondido por trabalhar como mototaxista, não pela profissão, mas por ser algo muito distante do que sonhei. Quase morri no trânsito, deixei de estudar e perdi a possibilidade de participar de festivais por não estar tocando", disse Tomas.

    A falta de dinheiro existe, por exemplo, porque patrocinadores potenciais "fugiram", em virtude da crise na economia.

    Os repasses da prefeitura também secaram. A verba, que até o ano passado foi de R$ 400 mil, não foi repassada neste ano. A entidade tem, também, associados, mas o número é considerado pequeno diante da necessidade.

    O salário dos músicos é outro problema para atrair grandes nomes e tentar reverter a crise: em média, cada um ganha R$ 3.000, valor que equivale à metade do recebido em outras orquestras.

    Presidente da associação, o promotor Cyrilo Luciano Gomes Junior disse que a instituição enfrenta "muita dificuldade para conseguir sobreviver".

    Fernando Mucci/Platinum/Divulgação
    Maestro Joao Carlos Martins em concerto da Bachiana Filarmonica na Sala Sao Paulo Credito: Fernando Mucci/Platinum/Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    O maestro João Carlos Martins, que chegou a se apresentar de graça para ajudar a orquestra

    "Temos visto empresas demitindo, atividade econômica caindo, o PIB caindo. Tudo vai caindo e [as empresas] cortam onde dá. Infelizmente a atividade que prestamos, cultural, de lazer e entretenimento, acaba ficando no fim da lista das urgências. Somos o primeiro ou um dos primeiros a serem cortados", disse.

    Segundo ele, a entidade conseguiu, apesar disso, duplicar a receita com associados. São cerca de 500 hoje, mas seriam necessários ao menos 2.000.

    O presidente da entidade disse ainda que tenta novos patrocínios e que a verba perdida da Prefeitura de Ribeirão faz muita falta.

    "Tínhamos obstáculos na esfera estadual para contratar, mas negociamos e fizemos um parcelamento da dívida. Agora voltamos a ter condições de captação e temos confiança nisso."

    Gomes Junior afirmou que a maioria dos músicos "tem consciência de que a crise é transitória e que o pior quadro que se pode imaginar é desaparecer os postos de trabalho". Ele confirmou que dez músicos não estão no quadro efetivo da orquestra nos últimos meses, mas que apenas dois pediram demissão. Outros sete pediram licença e um foi demitido.

    "O desaparecimento faria com que não apenas os direitos trabalhistas fossem momentaneamente frustrados, mas que a própria expectativa para o futuro fosse comprometida. É hora de lutarmos juntos. A orquestra põe Ribeirão num patamar diferente em relação a outras cidades do Brasil. É um produto rico demais para que a gente possa abrir mão."

    Em média, a orquestra tem feito de duas a três apresentações mensais, segundo Gomes Junior.

    'LEITE DE PEDRA'

    Já o secretário da Cultura de Ribeirão Preto, Alessandro Maraca, disse que a direção da orquestra é bem intencionada e está tentando "tirar leite de pedra" com a crise. Disse ainda que o poder público precisa voltar a assumir uma posição de apoio à orquestra.

    A Secretaria da Cultura perdeu R$ 10 milhões no Orçamento de 2015, segundo ele, de R$ 22 milhões para R$ 12 milhões. O corte é fruto da crise vivida pela gestão da prefeita Dárcy Vera (PSD) desde o primeiro mandato (2009-2012) —ela foi reeleita há três anos.

    A orquestra recebeu, ao todo, R$ 700 mil no ano passado —além dos R$ 400 mil da prefeitura, a Câmara devolveu outros R$ 300 mil à administração no fim do ano, com a exigência de que o valor fosse destinado à entidade.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024