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    Compositor de álbum de rock do papa foi influenciado por Linkin Park

    ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
    DE SÃO PAULO

    08/10/2015 02h00

    Se você parar para pensar, já havia sinais de que estávamos diante do papa mais rock 'n' roll de todos os tempos.

    Em abril de 2014, Francisco, o papa que já era pop, apertou as mãos da roqueira Patti Smith –a mesma que cantou "Jesus died for somebody's sins, but not mine" (Jesus morreu pelos pecados de alguém, não os meus) na faixa "Gloria" (1975). Depois, o Vaticano a convidou para se apresentar a cardeais no concerto de Natal.

    Agora, Francisco e Patti já podem se chamar de coleguinhas. O papa argentino arrastou a batina para o rock em "Wake Up!" (acorde!), álbum que será lançado em 27/11 e já pode ser encomendado no iTunes, por US$ 9,99 (R$ 38,50).

    O disco traz 11 discursos do pontífice em inglês, italiano, espanhol e português, acompanhados por harmonias musicais colocadas posteriormente. Tudo com o sinal verde do Vaticano.

    Mas Luca Stante, diretor da sucursal italiana da Believe Digital, que distribui o disco globalmente, confessa: está receoso com o tratamento dado pela imprensa ao trabalho.

    Divulgação
    capa do Album do papa francisco... Foto: Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Capa do álbum do papa Francisco

    "Vejo menções ao 'álbum rock do papa'. Preocupo-me que ele possa não gostar e nos culpe", diz o católico praticante à Folha. "Francisco não canta nem toca instrumentos."

    Mas fala, e um monte, sobre seus tópicos preferidos: "Família, crianças, meio ambiente, esperança, fé, paz e juventude", afirma Stante.

    Em "Wake Up! Go! Go! Foward!" (Acorde! Vá! Vá! Para a frente!), única faixa divulgada até agora, Francisco se dirige em inglês a uma plateia sul-coreana. "Ninguém que dorme pode cantar, dançar e regozijar", diz a certa altura.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Como pano de fundo, uma guitarra em marcha lenta que a revista musical "Rolling Stone" comparou à da banda de anarquistas canadenses Godspeed You! Black Emperor.

    A publicação, aliás, foi escolhida para antecipar o lançamento papal. O pontífice já apareceu em uma de suas capas de 2014. No título, a música de Bob Dylan "The Times They Are A-Changin" (os tempos estão mudando).

    Não é de hoje que este senhor de 78 anos –que já declarou não ver TV desde 1990– vem sendo tratado como sopro de uma nova era na Igreja Católica. Destacam-se suas posições não exatamente liberais, mas mais maleáveis, a antigos tabus no Vaticano, como divórcio e casais LGBT.

    Para o padre Marcelo Rossi –anos atrás investigado pela Igreja, que o achava personalista e circense–, o papa "quer trazer os jovens para perto".

    "Tive uma banda de rock, a QG, quando era jovem. A banda que toca comigo no santuário é toda de heavy metal religioso", conta o cura paulistano. "Temos que mesclar, sim. Francisco pensa no futuro."

    INFLUÊNCIAS DE BACH, RAVEL E ATÉ LINKIN PARK

    Ser do rock e de Deus não é algo antônimo, por isso não é de se estranhar que o papa Francisco aprove um álbum do gênero, diz Francisco Borba, coordenador de projetos do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

    Veja "Sonífera Ilha", hit dos Titãs que ia assim: "Descansa meus olhos/ Me enche de luz". "Todo mundo dizia que tratava de drogas, mas é claramente religiosa. Corresponde a um desejo profundo por um mundo de paz", afirma Borba.

    Para o professor da PUC, novidades como o disco "Wake Up!" caracterizam o atual papado. "Não existe necessidade de se manter espaço de dignidade pontifícia, digamos assim –o que era um problema para os papas anteriores."

    Tony Gentile/Efe
    . Philadelphia (United States), 26/09/2015.- Pope Francis (rear) listens to rock group The Fray as he attends the Festival of Families in Philadelphia, Pennsylvania, USA, 26 September 2015. Pope Francis is on a five-day trip to the USA, which includes stops in Washington DC, New York and Philadelphia, after a three-day stay in Cuba. (Papa, Filadelfia, Estados Unidos) EFE/EPA/TONY GENTILE/POOL
    O papa Francisco assiste ao show da banda The Fray, na Filadélfia

    Há outros discos do Vaticano, como o "Abbà Pater" (1999), de João Paulo 2º (1920-2005), e o "Alma Mater" (2009), de Bento 16 (leia ao lado). Diretor artístico dos dois, afeitos ao "estilo neoclássico", dom Giulio Neroni repete o trabalho com Francisco.

    "Desde 'Abbà' tentei fazer algo novo. No meu baú, tem uma faixa cantada por João Paulo com um arranjo de rock. Meus superiores no Vaticano me pediram para não incluí-la no álbum", conta à Folha.

    Bom pianista e apreciador de Beethoven, Bento 16 não gosta do gênero. Quando era cardeal, descreveu-o como algo que, "em grandes plateias, pode assumir características de culto ou até de adoração, contrárias ao cristianismo".

    PROGRESSIVO

    "Wake Up!" está sendo distribuído pela Believe Digital, uma das líderes mundiais no mercado on-line. No Brasil, divulga Erasmo Carlos, Baby do Brasil e MC Tati Zaqui.

    O italiano Tony Pagliuca, que compôs arranjos para o álbum, se diz influenciado por sons tão heterogêneos quanto "o clássico de Bach, o rock do Linkin Park e o bolero de Maurice Ravel".

    Ele próprio é da turma do rock progressivo: nos anos 1970, integrou um grupo do gênero na Itália, Le Orme (os passos) –que quase se chamou Le Ombre (as sombras).

    No disco papal, dom Neroni espera iluminação. Mas se mostra ciente de que pode vir fogo amigo pela frente. "É óbvio que há muitas opiniões musicais na Igreja. Imagino que os amantes da melodia gregoriana não serão entusiastas", afirma. "Mas a música cristã evolui na história."

    Completa: "Para ser honesto com você, gostaria de sorrir com alguns dos meus professores de canto gregoriano".

    Procurado pela Folha, o papa Francisco não respondeu aos pedidos de entrevista.

    ACORDE! Como os críticos veem "Wake Up! Go! Go!"

    Reprodução
    Capa do álbum "The Dark Side of the Moon" da banda de rock inglês Pink Floyd (1973). (Foto: Reprodução) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Capa do álbum "The Dark Side of the Moon" da banda de rock inglês Pink Floyd (1973)

    "Fãs de Pink Floyd vão entender onde o papa mirou, mas terão dificuldades de gostar", diz o inglês 'The Guardian'.

    Para a revista americana 'Billboard', a primeira faixa liberada do álbum remete a 'um rock progressivo perdido nos anos 1970'.

    SOM DA PESADA Como era o rock em outros papados

    Alessandro Bianchi/Reuters
    Papa Bento 16 acena para fieis desde a sacada da basílica de São Pedro, no Vaticano
    O antigo papa Bento 16 na sacada da basílica de São Pedro, no Vaticano

    Diretor artístico dos três últimos papas, dom Giulio Neroni disse que 'superiores no Vaticano' barraram faixa roqueira em disco de João Paulo 2º.

    Quando era cardeal, o papa 'aposentado' Bento 16 escreveu: 'Os gêneros rock e pop são distrações profanas para a fé cristã'.

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