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    Svetlana Alexievich cria vínculo profundo entre leitores e sobreviventes de Chernobil

    GENTIL DE FARIA
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    08/10/2015 09h09

    O resultado da escolha do Prêmio Nobel de literatura deste ano pode representar uma grande surpresa para a maioria dos leitores brasileiros. Mas para o público americano e europeu a ganhadora é bastante conhecida, pois teve obras traduzidas para diversos idiomas, como russo, inglês, francês, alemão, espanhol, vietnamita, búlgaro, chinês, finlandês, romeno, checo, húngaro, japonês, sueco e até em português de Portugal.

    Svetlana Alexievich é ucraniana nascida em 1948 e criada num vilarejo do interior da Bielorrússia. Na juventude, vai para a capital —Minsk— onde se formou em jornalismo. Sua obra literária se nutre bastante da sua atividade de jornalista e repórter. É autora de poemas, ensaios, contos e novelas e até peças de teatro.

    Reuters
    Belarussian writer Svetlana Alexievich is seen during a book fair in Minsk, Belarus, in this February 8, 2014 file photo. Alexievich won the 2015 Nobel Prize for Literature, the award-giving body announced on October 8, 2015. REUTERS/Stringer/Files TPX IMAGES OF THE DAY ORG XMIT: GDY386
    A jornalista bielorussa Svetlana Alexievich, vencedora no Nobel, em retrato de fevereiro de 2014

    Sua obra principal e com a qual terá seu nome permanente na história da literatura universal é o impressionante relato "Oração de Chernobil, Crônica do Futuro", publicada em Moscou em 1997. Pouco tempo depois já estava traduzida em dezenas de idiomas.

    A tradução para o francês, de autoria de Gala Ackerman e Pierre Lorrain, alcançou enorme repercussão e despertou o interesse para as demais traduções. A versão inglesa, de Keith Gessen, foi publicada simultaneamente nos Estados Unidos e no Reino Unido, e serviu de mediadora para a versão em outros idiomas.

    Em espanhol, foi traduzida por Ricardo San Vicente, lançada no início de 2015 em brochura e na versão digital, com o nome "Voces de Chernóbil - Crónica del Futuro".

    Jonathan Nackstrand/AFP
    Books of Belarussian writer Svetlana Alexievich translated in different languages are on display at the Swedish Academy in Stockholm, where she was announced winner of the 2015 Nobel Prize in Literature on October 8, 2015. AFP PHOTO / JONATHAN NACKSTRAND ORG XMIT: 4431
    Diferentes traduções da obra de Svetlana Alexievich, exibidos na Academia Sueca

    A explosão nuclear ocorrida numa fábrica de Chernobil em 26 de abril de 1986, precisamente às 1h23, sobretudo suas terríveis consequências para milhões de pessoas, é o assunto central da narrativa. Svetlana entrevistou mais de uma centena de pessoas durante três anos para compor um pungente documento humano em que usa a primeira pessoa. Ela dá voz ao entrevistado, o que estabelece um vínculo profundo com o leitor, que fica preso ao livro até a última página.

    A primeira entrevista é com uma mulher, que havia perdido o bebê e o marido, bombeiro que primeiro tentou salvar as vítimas. Ela estava grávida, quando ouviu a notícia. Seu relato em tom emocional cativa o leitor, desde o início: "Eu não sei sobre o quê deveria falar... Da morte ou do amor? Tanto faz... Sobre o quê devo falar? Éramos jovens recém-casados. Na rua, dávamos as mãos, mesmo se fôssemos a uma loja... Eu dizia a ele: 'Eu te amo'".

    O prólogo significativamente intitulado "Uma voz Solitária" traz a epígrafe: "Somos ar, não terra", do escritor e filósofo Merab Mamardashivili (1930-1990), considerado o Sócrates russo, que contrasta a fragilidade da condição humana e a indiferença e insensibilidade das autoridades soviéticas. Até hoje os efeitos da catástrofe ainda são sentidos pela população abandonada.

    Svetlana nas inúmeras entrevistas que concedeu enfatiza, talvez com algum exagero, que o que aconteceu em Chernobil é muito pior do que os gulags (campos de trabalho forçado soviéticos) e o Holocausto. Para ela, a história do maior acidente nuclear da história ainda está sendo escrita. "Este é um enigma para o século 21", conclui.

    GENTIL DE FARIA é professor titular de literatura comparada na Unesp

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