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    Vencedora do Nobel é cronista implacável do império soviético

    VALERI KALINOVSKI
    DA AFP

    08/10/2015 13h28

    A vencedora do Nobel de Literatura de 2015, a bielorrussa Svetlana Alexievich, retrata o império soviético de Chernobil ao Afeganistão em livros que não são encontrados em seu país, que não perdoa sua visão do "homo sovieticus", incapaz de ser livre.

    A obra da ex-jornalista de 67 anos é rica em depoimentos ouvidos com paciência ao longo do tempo e já foi traduzida para várias idiomas. No entanto, nenhum livro da bielorrussa foi publicado no Brasil até hoje.

    "O Fim do Homem Vermelho ou a Era do Desencanto", um retrato sem concessões, embora compassivo, do "homo sovieticus" mais de 20 anos depois da implosão do império da URSS, recebeu em 2013 o prêmio Medicis de ensaio na França.

    "Conheço bem aquele 'homem vermelho': sou eu, as pessoas que me cercam, meus pais", explicou em uma ocasião. "[Ele] Não desapareceu. E o adeus será muito demorado", disse em outra oportunidade.

    Por este motivo, ela diz que tem muito respeito pelos ucranianos que, com seus protestos, expulsaram do poder o ex-presidente pró-Rússia Viktor Yanukovich em 2014.

    "Hoje o modelo para todos é a Ucrânia. Seu desejo de romper por completo com o passado é digno de respeito", opinou a vencedora do Nobel sobre o país devastado pelo conflito entre separatistas pró-Rússia e as forças ucranianas.

    Reuters
    Belarussian writer Svetlana Alexievich is seen during a book fair in Minsk, Belarus, in this February 8, 2014 file photo. Alexievich won the 2015 Nobel Prize for Literature, the award-giving body announced on October 8, 2015. REUTERS/Stringer/Files TPX IMAGES OF THE DAY ORG XMIT: GDY386
    Escritora bielorrussa Svetlana Alexievich vence o Nobel de literatura

    "Penso que o império ainda não desapareceu. E, pessoalmente, tenho a inquietante impressão de que não desaparecerá sem derramamento de sangue".

    Nascida em 31 de maio de 1948 no oeste da Ucrânia em uma família de professores rurais, formada em jornalismo pela Universidade de Minsk, Svetlana trabalhou nos anos 1970 na editoria de cartas à Redação do "Selskaya Gazeta", o jornal das fazendas coletivas soviéticas.

    Na época ela começou a registrar em seu gravador os relatos de mulheres que lutaram durante a Segunda Guerra. Inspiraram seu primeiro livro "War's Unwomanly Face", algo como a "A Guerra Não Tem uma Face Feminina".

    "Tudo o que sabíamos da guerra foi contado pelos homens. Por quê as mulheres que suportaram este mundo absolutamente masculino não defenderam sua história, suas palavras e seus sentimentos?", questionou a escritora.

    CENSURA

    Ela foi acusada de "romper a imagem heroica da mulher soviética" e seu livro teve que esperar pela Perestroika, a reforma do sistema aplicada por Mikhail Gorbachev, para ser publicado em 1985. Com a obra, alcançou fama em todas as repúblicas soviéticas e no exterior.

    Desde então, sempre recorreu ao mesmo método para seus romances documentais, entrevistando durante muitos anos pessoas com experiências dramáticas: soldados soviéticos que retornaram da guerra no Afeganistão ("Os caixões de zinco") ou suicidas ("Encantados com a morte").

    "Vivemos entre carrascos e vítimas, os carrascos são difíceis de encontrar. As vítimas são nossa sociedade, e são muito numerosas", declarou à AFP sobre os protagonistas de seus livros.

    Jonathan Nackstrand/AFP
    Books of Belarussian writer Svetlana Alexievich translated in different languages are on display at the Swedish Academy in Stockholm, where she was announced winner of the 2015 Nobel Prize in Literature on October 8, 2015. AFP PHOTO / JONATHAN NACKSTRAND ORG XMIT: 4431
    Livros de Svetlana Alexievich traduzidos em diferentes línguas; no Brasil, escritora continua inédita

    Após a catástrofe nuclear de Chernobil em 1986, a escritora trabalhou durante mais de dez anos em "Vozes de Chernobil: A História Oral de um Desastre Nuclear" (1997). O livro inclui depoimentos de milhares de homens enviados para trabalhar na central e outras vítimas da tragédia.

    Um dos países mais afetados pelas consequências de Chernobil, Belarus proibiu o livro. Lá o tema continua sendo tabu. Segundo a vencedora do Nobel, sua obra "não agrada" ao presidente Alexander Lukashenko.

    "Vivemos sob uma ditadura, há opositores na prisão, a sociedade tem medo e, ao mesmo tempo, é uma vulgar sociedade de consumo. As pessoas não se interessam pela política. É um período difícil", resumiu a escritora na entrevista que concedeu à AFP em 2013.

    Os intelectuais bielorrussos também não parecem apreciar as opiniões de Svetlana, que reivindica a "cultura russa" da qual eles desejam se distinguir e, ao mesmo tempo, passa a maior parte do tempo na Europa ocidental. Sua obra acaba por provocar uma mescla de atração e repulsa no país.

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