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    Em adaptação, Ruy Guerra vira livro de Carlos Heitor Cony do avesso

    LUIZA FRANCO
    DO RIO

    10/10/2015 02h50

    Num pântano filmado em preto e branco, um sapo encara a câmera. "Não sou ninguém. Sou apenas a presença de uma ausência", diz a voz em off de um homem.

    O sotaque, puxando para o lusitano, não engana. É a voz de Ruy Guerra, 83, diretor moçambicano, um dos maiores realizadores do cinema novo, que não lançava filme desde 2005 ("O Veneno da Madrugada").

    Isso até "Quase Memória", adaptação do livro homônimo de 1995 do escritor, jornalista e colunista da Folha Carlos Heitor Cony, que estreia no Festival do Rio na noite deste sábado (10).

    No livro, um romance autobiográfico, Cony, já maduro, recebe um pacote que ele tem certeza ser do seu pai, Ernesto, morto dez anos antes. Sem abri-lo, encara a embalagem o resto do dia e relembra episódios da vida com o pai, figura adorável e patética.

    Eduardo Martino/Divulgação
    Filmagem da cena 86 de Quase Memoria, de Ruy Guerra, baseado no livro homonimo de Carlos Heitor Cony, na Casa Chico Esfiha - Rua Santiclair Motta 38/ Pinheirinhos, Passa Quatro - MG, Brasil. Com a atriz Mariana Ximenes como Maria. Longa eh destaque do festival de cinema do Rio. Foto: Eduardo Martino /Divulgacao. 17.11.2014 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Mariana Ximenes interpreta a mãe de Heitor Cony em filme

    Em fevereiro, Guerra disse à Folha que virara a obra de Cony do avesso. De fato, apagou o jornalista e escritor e fez no seu lugar uma longa reflexão sobre a memória e a passagem do tempo.

    "Quis romper com a naturalidade. A memória tem vida própria. Onde começamos nós e termina memória? A memória somos nós, o nosso passado", diz agora o diretor.

    "Quanto mais o processo criativo puder escapar das limitações da realidade, melhor. Hoje é tudo muito certinho. Tem que ter linearidade, saber quem é o bandido, quem é o mocinho. Quis fazer um filme que não tivesse essa clareza", completa.

    No longa, não se fala no nome "Cony", apenas "Carlos": o Velho, com mais de 70 anos (Tony Ramos), e o Jovem, lá pelos 40 (Charles Fricks). As duas versões do mesmo homem se veem frente a frente.

    Para o jovem, estamos em 1968. No rádio, o locutor anuncia a instituição do AI-5; para o Velho, em 1994. Na televisão, a programação é interrompida pela notícia da morte de Ayrton Senna.

    Sem saber como foram parar nessa "bolha de tempo", como diz Guerra, os Carlos questionam um ao outro –o Jovem quer saber se continuou casado com sua mulher, o Velho não sabe o que perguntar, perdeu a memória.

    Assim como no livro, a descoberta do pacote dispara lembranças saudosas do pai, protagonista das histórias mais esdrúxulas.

    A partir daí, o filme se divide em dois. As cenas do encontro entre os Carlos têm uma fotografia escura e Tony e Charles fazem atuação naturalista.

    Já as memórias são coloridas, iluminadas por tons de rosa e azul. João Miguel e Mariana Ximenes, que vivem Ernesto e a mãe de Cony, atuam como se no teatro. A câmera, inquieta, registra as caras e bocas dos personagens de ângulos inusitados, às vezes quase de cabeça para baixo.

    Apesar da fragmentação, Guerra diz achar o filme "até bem comportado". "Vou fazer um chamado 'Palavras Queimadas', esse, sim, é experimental".

    QUASE MEMÓRIA
    QUANDO sáb. (10), às 22h30; dom. (11), 16h; seg. (12), 16h30 e 21h30
    ONDE sáb., Cinepolis Lagoon (av. Borges de Medeiros, 1424); dom., Cine Odeon (pç Floriano, 7); seg., Kinoplex São Luiz (r. do Catete, 311)

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