Juliana Leuenroth e Juliana Gomes se conheceram há sete anos, quando trabalhavam na Livraria da Vila. Tempos depois, Leuenroth apresentou a Gomes uma amiga, Michelle Henriques, coautora do blog "As Bastardas". As três tinham três coisas em comum: gostavam de literatura, eram feministas e, em contraste a isso, suas bibliotecas pessoais tinham majoritariamente livros escritos por homens.
A percepção deste cenário foi o estopim para a criação do projeto Leia Mulheres, em março deste ano. Trata-se de uma espécie de clube do livro que busca estimular a apreciação de textos literários de escritoras.
"Continuamos a ler homens, mas precisamos incentivar a produção, a publicação e a divulgação de livros escritos por mulheres também", diz Gomes. "Assim como também a formação de críticas literárias, jornalistas culturais e curadoras de projetos sociais que utilizem a literatura como fio condutor do início de uma mudança."
Nesses sete meses de existência, o Leia Mulheres já realizou sete encontros em São Paulo e outros seis no Rio de Janeiro. Em cada um, cerca de 20 pessoas —inclusive homens— se acomodam nos fundos de uma livraria e debatem os títulos lidos, que vão de clássicos como "Frankenstein", de Mary Shelley, a contemporâneos como "A Amiga Genial", de Elena Ferrante.
Recentemente, o projeto começou a se expandir para outras praças. "Estamos em dez cidades e, até o final do ano, devemos estar em mais cinco", afirma Gomes. Apenas em outubro ocorrem oito encontros nas cidades de São Paulo, Porto Alegre, Fortaleza, Curitiba, Brasília, Recife, São Luís e Itapetininga. O calendário está disponível no site do projeto, em leiamulheres.com.br.
Daniela Nunes | ||
Juliana Gomes, Juliana Leuenroth e Michelle Henriques, idealizadoras do Leia Mulheres |
FIM AO CLUBE DO BOLINHA LITERÁRIO
A inspiração para o projeto foi a campanha #readwomen2014, idealizada pela escritora inglesa Joanna Walsh, que propunha a leitura de mais mulheres.
"Escritoras são, a maior parte do tempo, julgadas pela sua aparência, em vez de serem julgadas pela qualidade de sua escrita", disse a escritora no começo da campanha, em entrevista à revista "Língua Portuguesa". "No Reino Unido, a historiadora clássica Mary Beard foi chamada de 'feia demais para a televisão', enquanto a vencedora do Booker Prize Eleanor Catton, 'apesar de nerd', é 'aceitável' porque é 'bonitinha'."
Para Walsh, a diferença de gênero influencia até mesmo na produção de livros, que "muitas vezes, publicados com capas e títulos que fazem com que o establishment literário não os tenha que levar a sério". "Aos escritores, em entrevistas, é perguntado o que pensam, enquanto às mulheres é perguntado o que sentem."
Não é apenas na terra de Walsh que o sexo feminino tem menos espaço. Nas mesas da edição deste ano da Flip - Festa Literária Internacional de Paraty, o maior evento do gênero no país, passaram 43 personalidades, das quais 11 eram mulheres - 25,6%.
"Este é um problema da área cultural em geral. Todo mundo que trabalha com cultura hoje em dia enfrenta esta questão da presença de mulheres - presença menor do que o desejado", diz Paulo Werneck, curador das últimas duas edições da Flip e recentemente confirmado como ocupar a vaga na edição de 2016. "Estamos aumentando a presença de mulheres progressivamente."
De fato, a gestão de Werneck trouxe mais mulheres à Flip. Nas duas últimas edições, o percentual de participação feminina na festa foi de 21,1%; nos três anos anteriores, foi de 17,8%, em média.
"Não está no nível que a gente gostaria, mas há um aumento", diz Werneck. "E estamos aumentando gradativamente."
Este aumento pode indicar um futuro promissor. O presente, contudo, não é satisfatório. "Ainda existe preconceito [contra mulheres]", afirma Leuenroth. "Queremos igualdade de oportunidades e diversidade de olhares. Queremos evidenciar as diferenças que existem entre homens e mulheres —diferenças nas escolhas editoriais, em como os livros são trabalhados na editora e até mesmo em como muitas mulheres têm seus livros rejeitados para publicação."
Um dos exemplos mais significativos de machismo no meio literário é o caso da escritora norte-americana Catherine Nichols. Em abril de 2015, cansada de ser rejeitada por agentes literários, Nichols resolveu enviar o manuscrito de seu livro sob o pseudônimo de George. Ao usar um nome masculino, conseguiu 8,5 vezes mais respostas positivas. "Meu romance não era o problema", disse Nichols, em artigo publicado no site Jezebel. "O problema era eu, Catherine."
Para Nichols, o nome fez toda a diferença; para as idealizadoras do Leia Mulheres, não deveria fazer diferença alguma. No ano em que uma escritora ganhou o Nobel de Literatura —Svetlana Alexievich foi a 14ª entre os 108 laureados desde 1901—, elas querem que o texto seja apreciado sem distinção de gênero.
"Ficamos felizes quando uma mulher ganha um prêmio como o Nobel ou o Jabuti", diz Gomes. "Mas o que queremos é que isso não seja motivo de comemoração, que seja apenas pelo texto."