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    ANÁLISE

    Miele foi um coadjuvante de luxo da história da música brasileira

    RODRIGO FAOUR
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    14/10/2015 13h07

    Jorge Araújo - 20.jan.1982/Folhapress
    SÃO PAULO, SP, BRASIL, 20-01-1982: Ronaldo Bôscoli enxuga as lágrimas do amigo Luís Carlos Miele durante enterro da cantora Elis Regina. (Foto: Jorge Araújo/Folhapress) (Negativo SP00427-1982)
    Ronaldo Bôscoli enxuga as lágrimas do amigo Luiz Carlos Miele durante enterro de Elis Regina, em 1982

    Pense numa pessoa que já trabalhou com a MPB inteira, que atuou como apresentador, diretor, showman, cantor, ator, radialista, humorista, assistente de câmera, produtor, que gravou discos, participou de filmes, shows, musicais, novelas e minisséries...

    Agora pense numa pessoa que, sabendo de todas as fofocas de todos os artistas, tinha uma anedota para cada ocasião; entretanto, nunca se indispôs com ninguém. Pois esta pessoa existiu e acaba de nos deixar. Luiz Carlos Miele, morto nesta quarta-feira (14), foi o grande coadjuvante de luxo da música brasileira, um "gentleman" que estava acima de rixas e egos inflados porque não queria ser ou brilhar mais do que ninguém, apenas somar com a cena artística e entreter o público.

    Ao lado de Ronaldo Bôscoli, criou em meados da década de 1960 os famosos "pocket shows" que revolucionaram a MPB de então. Na biografia que escrevi de Claudette Soares, ele explicou como isso se deu: "Eu e o Ronaldo criamos um tipo de show de teatro sempre com uma dupla de cantores e um trio de bossa nova. Primeiro foi o 'Quem Tem Bossa vai à Rosa', reunindo Wilson Simonal, Marly Tavares e o Bossa Três. Depois veio o 'Gemini V', com Leny Andrade, Pery Ribeiro e o Bossa Três, e finalmente '1º Tempo 5 x 0', com Claudette Soares, Taiguara e o Jongo Trio. Foi uma marca da dupla que começou no Beco das Garrafas, de criar coisas engraçadinhas, ser mais do que uma simples apresentação e justificar uma produção. Os três shows foram sucesso".

    1965/Folhapress
    LOCAL DESCONHECIDO, 1965: Música: o compositor e jornalista Ronaldo Bôscoli (à esquerda) e Miele (de barba, em pé) com a banda de Luiz Carlos Vinhas. (Foto: Folhapress)
    O compositor e jornalista Ronaldo Bôscoli (à esquerda) e Miele (de barba, em pé) com a banda de Luiz Carlos Vinhas

    Em 1970, Miele ganhou notoriedade subindo ao palco do Teatro da Praia, em Copacabana, ao lado de Elis Regina, gerando um LP ao vivo. A seguir, dirigiu com Ronaldo seu programa "Elis Especial" na TV Globo, que ajudou a refiná-la e popularizá-la. Aliás, sua produção em TV é muito intensa, em humorísticos, musicais e programas de variedades. Passa pela "Praça da Alegria", por "Sandra e Miele", ao lado da atriz Sandra Bréa, ambos na Globo dos anos 1970, "Miele & Cia", na Manchete, nos 1980, até o hilário "Cocktail", no SBT, nos 1990, apresentando mulheres despidas. Tudo com a mesma classe, o humor e o carisma habituais.

    Também foi na década de 1970 que ao lado de Bôscoli produziu grandes espetáculos de Roberto Carlos no Canecão, chegando a vesti-lo de palhaço. Difícil dizer um artista importante de todas as fases da MPB que não tenha cruzado seu caminho. De Dick Farney e Sylvia Telles à Família Caymmi, de Milton Nascimento e Marcos Valle a Angela Maria, Emilinha, Marlene e Cauby. De Sergio Mendes e Lennie Dale a Alcione, Trio Irakitan e Tuca, isto sem contar grandes atores, do porte de Betty Faria, Cyll Farney e Regina Duarte. A morte de Miele será lamentável também para nós que pesquisamos a música brasileira. Ele era a memória viva da MPB. Sabia de tudo porque viveu intensamente e participou de tudo o que foi importante.

    RODRIGO FAOUR é jornalista, produtor e historiador da música brasileira

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