• Ilustrada

    Wednesday, 01-May-2024 19:16:37 -03

    Semana tem chanchadas e boa narrativa de Thomas Vinterberg na TV

    INÁCIO ARAÚJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    19/10/2015 14h01

    SEGUNDA-FEIRA (19)

    Se existe uma coisa tradicional na chanchada, além dos cômicos e dos cantores com suas músicas de Carnaval, são os vigaristas.

    A quantidade de vigaristas que tentam se passar por ricaços a fim de aplicar algum golpe é enorme. Não é tanto a uma suposta desonestidade endêmica que eles respondem, mas à natureza mesmo do Carnaval: a máscara, o ser outro é o essencial.

    Em "É de Chuá" (1958, Canal Brasil, 19h) esse papel é representado por Renata Fronzi e Renato Restier. Do outro lado do balcão estarão o tira e seus amigos comediantes (Ankito e Grande Otelo).

    Divulgação
    Os atores Grande Otelo [centro] e Ankito [dir.] em cena do filme "É de Chuá", realizado em 1958. [FSP-Mais!-10.08.97]*** NÃO UTILIZAR SEM ANTES CHECAR CRÉDITO E LEGENDA***
    Os atores Grande Otelo (centro) e Ankito (dir.) em cena do filme "É de Chuá", realizado em 1958

    Esse caráter lúdico, completado pelos muitos números musicais e cenas do Baile do Municipal (do Rio, claro), talvez seja o principal dessa chanchada de Victor Lima. Por hoje, o essencial é o grande Grande Otelo, cujo centenário se comemorou ontem.

    Ainda hoje, em outro registro: "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964, TV Brasil, 0h30).

    TERÇA-FEIRA (20)

    Certos filmes chamam a atenção pelo título: "O Sétimo Mandamento" (1962, TC Cult, 0h) é um deles, porque ninguém mais lembra, a não ser que seja um crente total, que mandamento é esse.

    Têm muito mais prestígio o primeiro (amar a Deus etc.), o quarto (honrar pai e mãe), o sexto (não matar) e, sobretudo, o nono (o referente à mulher do próximo). Este, aliás, deu nome a um melodrama belíssimo, que nunca passa em TV.

    O sétimo aqui presente diz respeito a um ladrão de obras de arte simpaticão (Rex Harrison) que tem por discípula, e não só, Rita Hayworth. O título brasileiro, bem impróprio, não cai bem numa comédia. Mas sosseguemos: o filme foi mundialmente esquecido.

    Não custará porém desenterrá-lo, pois para além de eventuais dissabores com enredo etc. existirá sempre Rita Hayworth, ainda uma bela quarentona, e Alida Valli, idem.

    QUARTA-FEIRA (21)

    O que está em questão em "A Caça" (2012, TC Cult, 18h) não é tanto a pedofilia quanto a circulação perversa de informação. No Brasil, sabemos, ela desembocou no lamentável caso da Escola Base.

    No filme de Thomas Vinterberg temos a história de um professor de jardim de infância pilhado em situação duvidosa com uma criança. Quer dizer: sabemos desde sempre que esse duvidoso só é duvidoso na cabeça paranoica de quem assiste à cena.

    Efe
    O ator dinamarquês Mads Mikkelsen em cena do filme "The Hunt", do cineasta Thomas Vintenberg. *** CANNES (FRANCIA), 20/5/2012.- Fotografía distribuída por la organización del Festival de Cine de Cannes el domingo 20 de mayo de 2012, que muestra al actor danés Mads Mikkelsen en una escena de la película 'Jagten' (La caza), del director danés Thomas Vinterberg, que se presenta en la Sección Oficial del festival. EFE/Cannes Film Festival *** SÓLO PARA USO EDITORIAL/PROHIBIDA SU VENTA ***
    O ator dinamarquês Mads Mikkelsen em cena do filme "A Caça"

    Mas, que importa? A julgar pelo filme, não é só Brasil que está atolado na mentalidade de mata-esfola. Aqui estamos na Dinamarca (ou Suécia? Enfim, dá no mesmo) e a repercussão do caso é arrasadora.

    A maneira como se induz a criança a dizer algo comprometedor contra o homem é algo que depõe a favor da boa narrativa de Vinterberg e é fator central do melodrama. Mas não o único. E Mads Mikkelsen, o ator, é formidável.

    QUINTA-FEIRA (22)

    Graças ao centenário de Grande Otelo temos uma espécie de semana da chanchada no Canal Brasil. Hoje "Vai que É Mole" (19h) faz as honras da casa, com a história de um trio de ladrões que, para bem educar uma criança, resolvem se regenerar.

    Em vista de uma boa ação, acabam num programa de TV (pois o filme é de 1960, o rádio caiu de moda), o que será o motivo da complicação que se seguirá.

    Algo repete a chanchada da segunda-feira: Grande Otelo, Ankito, Renata Fronzi, Renato Restier. A eles vai se juntar Jô Soares. Na produção, o nome central agora é Herbert Richers, e não mais Massaini.

    E na direção há J.B. Tanko. Luis Alberto Rocha Melo distingue a chanchada da tradição de José Carlos Burle (seria a de Copacabana) da de Victor Lima (do Rio Comprido, herdeiro de Lulu de Barros). E Tanko? Seria a tradição de Zagreb? Ou um deslocamento, digamos: um Leme?

    SEXTA-FEIRA (23)

    Com "Os Cosmonautas" (1962, Canal Brasil, 19h) Ronald Golias chega ao círculo chanchadeiro (ao menos o desta semana). Grande Otelo, claro, está presente.

    Ele faz o agente que busca cosmonautas para o programa espacial brasileiro, que mandou um macaco para o espaço. Agora, busca seres cuja falta ninguém sentiria se sumissem do mapa. Os escolhidos são um bandido (Atila Iorio) e um vendedor de aspiradores (Golias).

    É outro filme de Victor Lima. Luis Alberto Rocha Melo vê em Lima um cultor da chanchada na linhagem radical: um discípulo de Lulu de Barros, com seus enquadramentos frontais e estáticos.

    É um ponto de vista a reter, sobretudo num momento em que o cinema está atolado nessa mistura de submissão a Hollywood e à Globo. Mas, cá entre nós, vale mais se fiar no elenco, cujas virtudes não são poucas.

    No mais: o genial "Morte no Funeral" (2007, tbs, 14h). O de Frank Oz.

    SÁBADO (24)

    Não é fácil a vida no cinema. Mesmo Olivier Assayas, um dos melhores diretores franceses surgidos depois da geração da nouvelle vague, que o diga.

    Seu agudíssimo "Depois de Maio" não deu público. Em vista disso, ele voltou-se ao "filme de estrela" para sair do buraco. Com efeito, "Acima das Nuvens" (2014, TC Cult, 22h) teve mais do dobro de espectadores na França.

    Divulgação
    Cena do filme "Acima das Nuvens"
    Juliette Binoche e Kristen Stewart em "Acima das Nuvens"

    Claro: lá há Juliette Binoche, xodó nacional, como a atriz veterana, convidada a representar a mesma peça que a tornou famosa, uns anos e anos atrás. Só que agora o papel é outro. E ver-se envelhecer não será fácil. Acompanha o seu drama a secretária Kristen Stewart (jovem estrela de "Crepúsculo").

    Depois virá a nova estrela, a que fará o papel que foi de Binoche. Novos modos. Bem americanos. Porque, mesmo na hora da dificuldade, Assayas confronta a decadência europeia à vitalidade americana.

    DOMINGO (25)
    Quem disse que no cinema é necessário acontecerem coisas de maneira frenética? O mais aclamado dos clássicos modernos ("O Poderoso Chefão") é de uma lentidão avassaladora.

    Talvez perca nesse quesito apenas para "Era Uma Vez no Oeste" (1969, TC Cult, 22h). Tomemos os primeiros minutos. Alguém invade uma estação de trem. E nada acontece.

    Depois três homens ameaçadores se postam no lugar. E trocam olhares. E levam a mão ao coldre. E olham feio de novo.

    Divulgação
    Titles: Era Uma Vez no OesteNames: Henry Fonda, Charles BronsonCharacters: Harmonica, Frank
    Henry Fonda e Charles Bronson (ao fundo) em cena de "Era Uma Vez no Oeste"

    O que ocorre é que Sergio Leone sabe, como no Brasil Glauber Rocha, buscar a ópera onde ela não é suposta estar. A lentidão cria uma atmosfera quase irrespirável, ameaçadora. Nos sentimos mínimos diante dessa secura eloquente.

    E, depois, um outro homem que surge. E um tiroteio feroz, porém rapidíssimo. O Oeste de fábula mostra-se, desde então, Oeste fabuloso.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024