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    Autor de 'Incêndios', franco-libanês resgata sua identidade em monólogo

    MARIA LUÍSA BARSANELLI
    DE EDITORA-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"

    05/11/2015 02h25

    O franco-libanês Wajdi Mouawad, 47, só se deu conta do interesse de sua própria história ao ver a reação de espanto de amigos ao narrá-la.

    "Eu percebi que via muitas coisas da minha vida de forma banal. Nunca achei interessante o fato de ter deixado meu país aos dez anos para viver na França. Ou que eu falava cada vez menos o árabe", conta o diretor em entrevista por Skype, de Paris, onde vive atualmente.

    "Vi que as coisas mais interessantes, que mais nos tocam, são provavelmente as que escondemos e de que temos uma pequena vergonha."

    É um pouco do "banal" de sua vida o que se vê em "Solos (Seuls)", espetáculo que terá três sessões a partir desta quinta (5), em São Paulo.

    No monólogo, Mouawad é Harwan, um estudante da universidade de Montréal prestes a defender sua tese de doutorado. Vive em um apartamento simples e feio, para o qual se mudou após terminar com a namorada. Queria ser pintor, mas enveredou pela academia pela incerteza de seu futuro como artista.

    Eis que entra em cena a fantasia –como em sonho, ele vai parar no museu Hermitage, em São Petesburgo, onde se depara com o quadro "O Retorno do Filho Pródigo", de Rembrandt–, e o personagem começa a remoer sua identidade: questões sobre a origem libanesa, a família, a língua.

    "Agora que já encenei muito a peça consegui pôr um fim nos meus debates sobre minha origem. Hoje estou mais focado no presente."

    Para representar o delírio e o devaneio, Mouawad recorre a projeções e sons. A última meia hora de peça não tem falas, apenas imagens e movimentos do ator-diretor.

    O encenador, que fez sua carreira na cena teatral do Québec (para onde se mudou na juventude), é conhecido por montagens grandiosas e com elenco numeroso.

    Seu trabalho de maior projeção, "Incêndios" (2003), foi adaptado ao cinema por Denis Villeneuve em 2010 e montado no Brasil há dois anos por Aderbal Freire-Filho, com Marieta Severo no papel de Nawal, mulher de origem árabe que, no seu leito de morte, pede aos filhos que vasculhem seu aterrorizante passado.

    Em "Solos (Seuls)", escrito em 2008, logo após o perturbador "Fôrets" (florestas), tudo é mais singelo: Mouawad está sozinho no palco, e a linguagem, cotidiana, fica longe do épico ou do narrativo dos seus demais espetáculos.

    "Eu precisava redescobrir a forma de fazer teatro, para não virar uma caricatura de mim mesmo. E precisava estar só. Como uma criança que reaprende a brincar sozinha."

    Também era necessário se desvencilhar do sucesso de "Incêndios". "É uma peça que me deu muita alegria, mas me deixou marcado. Depois dela, as pessoas diziam sobre meus trabalhos: é bom, mas não como 'Incêndios'."

    Precisou de um distanciamento semelhante com o longa de Villeneuve. "Eu o vi quatro vezes, mas não o vi. A realidade e a violência, que no teatro eram sugeridas, são muito perturbadoras no filme. Me fez pensar em uma frase de Flaubert quando lhe propuseram uma edição ilustrada de 'Madame Bovary': 'Querem colocar em imagem o que levei anos para esconder!'."

    SOLOS (SEULS)
    QUANDO qui. (5) a sáb. (7), às 21h
    ONDE Sesc Pinheiros, r. Paes Leme, 195, tel. (11) 3095-9400
    QUANTO de R$ 9 a R$ 30
    CLASSIFICAÇÃO 10 anos

    Edição impressa

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