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    Camarotes dos governos de São Paulo em salas de concertos vivem ociosos

    CHICO FELITTI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    05/11/2015 02h00

    Uma funcionária é designada para cuidar exclusivamente de uma porta na Sala São Paulo, no centro da cidade: a que tem pendurada uma plaquinha em que se lê "Camarote do Governador".

    Ela parece ter algum tempo ocioso: em seis concertos em que a Folha esteve presente, o índice médio de uso dos assentos do box de 12 lugares ficou em 5% –havia, em média, menos de uma pessoa por sessão (algumas delas esgotadas) nos lugares reservados ao Estado, os mais próximos ao palco.

    A Folha também foi a seis récitas do Theatro Municipal, no centro, que marcou uma taxa de uso média de 50%. Mesmo na estreia da ópera "Manon Lescaut", em 29/8, só metade dos lugares do camarote do prefeito foi usada. Os outros assentos nobres, posicionados na linha de frente do palco, ficaram vagos.

    Considerado o preço médio de R$ 100 por assento nos camarotes –que chegam a custar o dobro desse montante em apresentações especiais–, o governo estadual deixa escoar cerca de R$ 1.100 em ingressos não utilizados por apresentação na Sala São Paulo. Já a prefeitura paulistana deixa de utilizar o equivalente a R$ 300 em ingressos a cada sessão do Municipal.

    "É mais fácil ver um bebê fazer silêncio numa sala de ópera do que ver o camarote das autoridades da Osesp cheio", diz o engenheiro Claudio Silva, 65, que já foi assinante de ambas as casas, mas que cancelou o pacote desde que se aposentou.

    "Não tenho mais dinheiro para pagar por uma vista privilegiada. Imagina a pena que dá ver os melhores assentos ocupados por ninguém."

    OUTRO LADO

    A Secretaria Estadual da Cultura diz que "há um controle rigoroso na distribuição de convites para os camarotes da Sala São Paulo mencionados pela reportagem".

    Os convites solicitados por jornalistas, músicos, políticos e personalidades são confirmados apenas na véspera da apresentação e disponibilizados para retirada meia hora antes de cada concerto, exclusivamente no local, afirma o governo do Estado.

    "O índice de confirmações [ingressos efetivamente retirados] gira em torno de 70%, percentual que se manteve nos dias 20 a 23 e 27 a 29 de agosto [quando a Folha visitou a Osesp]", diz nota.

    A diferença, afirma o governo, acontece porque "alguns convidados optam por assistir ao concerto na plateia, caso haja assentos livres". O governador afirmou, por meio de sua equipe, que a resposta da pasta o representava.

    Já a prefeitura diz que "o camarote está à disposição de seu titular [o prefeito Fernando Haddad, do PT]" para convidar servidores públicos, aliados políticos e cidadãos de destaque. Haddad não respondeu a pedidos de entrevista sobre o assunto.

    DESAPREÇO

    Os lugares vazios nos camarotes de autoridades mostram mais um problema de gestão do que o gosto pessoal de seus beneficiários, defende Frederik Ertl, professor de negócios da escola de drama da Faculdade de Nova York, que estuda projetos para acabar com a sobra de ingressos em teatros ao redor do mundo.

    "Esse vazio mostra dois tipos de desapreço: um desinteresse de convidados próximos aos governantes, mas não deles em si, pela arte, e outro por mostrar que os recursos não estão sendo usados de maneira íntegra", diz Ertl.

    O governador Geraldo Alckmin (PSDB) ocupou o camarote da Osesp ao menos uma vez por ano desde que assumiu seu cargo, em 2011. Esteve nas aberturas das temporadas de 2011 e de 2013, e na Virada Cultural de 2013.

    O prefeito Fernando Haddad (PT) foi ao Theatro Municipal ao menos três vezes desde que tomou posse, em 2013, e até chegou a marcar de ver lá a ópera "Manon Lescaut" com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

    Ertl aponta que São Paulo já tem empreitadas que lutam contra o ócio em casas de espetáculos –caso do Programa Ingresso da Hora da Osesp. Lugares sobressalentes são vendidos por R$ 10 a dez minutos do começo do espetáculo, depois de ter soado o primeiro sinal.

    Assinantes que compraram assento para toda a temporada podem doar seu lugar até duas horas antes do começo do concerto.

    Mas os camarotes do poder público não fazem parte desse esquema. A Osesp foi questionada se havia plano de otimizar o uso dos lugares oficiais ociosos. Não respondeu.

    O Theatro Municipal não conta com um programa similar de aproveitamento de lugares ociosos.

    A reserva de lugares para autoridades é comum ao redor do mundo. O presidente dos EUA, por exemplo, tem um camarote em cada um dos três teatros que compõem o Kennedy Center, em Washington. Ingressos ociosos não são comercializados. Jimmy Carter, que governou os EUA de 1977 a 1981, usou o camarote 30 vezes durante o período.

    Já o Palais Garnier, ópera maior de Paris, oferece bilhetes de última hora, inclusive alguns no setor para autoridades. Lá, quem se dispuser a pagar 150 euros pode acabar se sentando com convidados da prefeitura.

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