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    CRÍTICA

    Filme mostra o homem Pasolini por trás da égide de gênio maldito

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    06/11/2015 02h01

    O encontro entre Pier Paolo Pasolini e Abel Ferrara não era inevitável. De certo modo era até previsível, por aquilo que aproxima os dois homens: ambos incapazes de se dobrar às exigências sociais, ambos contestadores do poder, ambos assombrados pela figura de Deus.

    Mais que isso: as contradições abundam na obra de Ferrara e na vida de Pasolini. Este, em particular, parece querer abraçar todas elas: humanismo e masoquismo, por exemplo. O alto e o baixo. O corpo e a espiritualidade.

    Ser homem é vasto e perigoso. Pasolini e Ferrara não pensam diferente a esse respeito. E Ferrara vai em busca, primeiro, de um Pier Paolo caseiro, que chega de uma viagem. Ele reencontra família e amigos. Não veste em nenhum momento a pele do gênio, nem a do maldito.

    É esse homem coloquial que nos atrai e impressiona no filme. Seu calor, a maneira simples e intensa de estar no mundo, a maneira como aprecia um vinho ou uma conversa. Um homem como qualquer outro –e, ao mesmo tempo, único.

    A MORTE DE CRISTO

    Para Ferrara, é mais importante fazer Pasolini parar num restaurante e conversar com o dono do que criar algum tipo de crescendo dramático tradicional.

    É mais importante, inclusive, inserir no conjunto uma dessas parábolas tipicamente pasolinianas –a um tempo desesperadas e otimistas–, trazendo Ninetto Davoli, que foi o ator fetiche do cinema de Pasolini.

    De tal modo que, quando se chega ao coração da narrativa, a morte do poeta, Ferrara pode novamente nos surpreender. Não tanto pela maneira como representa a morte (diferente do que se tem como aceito), mas pelo modo como a prepara e conclui.

    É no momento da dor pela perda de uma pessoa tão especial, porém, que Ferrara mostra o cineasta superior que é: faz-nos sentir esse assassinato não por ele, não por sua família ou amigos, mas pela humanidade.

    É algo a que Ferrara aspira: representar a morte de Cristo, daquele que morre pelos homens. De certo modo, "Pasolini" realiza esse feito.

    Com uma cruel diferença: a morte de Cristo supostamente leva a algo, enquanto a de Pasolini é apenas cruel, infame, desnecessária (como a de Cristo, mas não leva a nada). Abel Ferrara é um cristão niilista.

    Por fim: não se pode falar de "Pasolini" sem falar de Willem Dafoe, extraordinário.

    PASOLINI
    DIREÇÃO Abel Ferrara
    ELENCO Willem Dafoe, Riccardo Scamarcio, Ninetto Davoli
    PRODUÇÃO França/Bélgica/Itália, 2014, 18 anos
    QUANDO em cartaz

    Edição impressa

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