Em 1976, militares entraram no saguão do Correio Central de Recife e exigiram que Paulo Bruscky retirasse algumas de suas obras ali expostas. Recusando-se, o artista foi levado para interrogatório e, na manhã seguinte, sequestrado em sua casa, onde vivia com a mãe e os irmãos.
Entre as obras à mostra na ocasião, estava o título de eleitor de Bruscky —"Um documento que éramos obrigados a ter, mas não usávamos", relembra o pernambucano.
Transformado em postal, o pedaço de papel plastificado, gasto nas bordas e amarelado pelo tempo, projeta-se agora na parede da exposição "Arte É a Última Esperança", que será inaugurada neste sábado (14), em local conveniente: o Centro Cultural Correios de São Paulo.
A mostra traz, como o local convida, boa parte da produção de arte postal de Bruscky, um dos pioneiros do gênero.
"Era o único meio de comunicação incontrolável na época", diz ele. "Pelo volume de cartas que entrava e saia, seria preciso mais da metade da população para espionar."
O curador da exposição, Antonio Sergio Bessa, lembra que, nos anos 1970, o departamento nacional de correios, até então muito atrasado, passou por uma modernização. "Sempre achei muito irônico como Bruscky subverteu essa glória nacional."
Para Bessa, a rede formada entre artistas, no período, para a troca de arte correio, foi um "protótipo da internet".
Tanto que, diz o artista pernambucano, adaptar-se aos novos meios foi algo natural. Hoje escreve e-mail-arte: "Arte do meu tempo. Tenho pressa", diz uma de suas mensagens digitais.
'DESLEITURAS'
Bruscky sempre subverteu os usos dos meios de comunicação. O nome da mostra agora em cartaz em São Paulo é tirada de uma de suas obras, também recusada —daquela vez pelo Salão de Pernambuco, em 1983.
À época, o artista autoproclamado "o mais recusado do Brasil" sugeriu a criação de um outdoor publicitário com os dizeres "A arte é a última esperança". Rejeitado, carregou a maquete do painel durante uma cerimônia em que foi premiado por seu trabalho em xilografia.
"Passei a noite todinha andando pelo salão com a obra recusada", lembra ele. "Eu aprendi a me deseducar muito cedo quanto a questão estética. Tirei da cabeça se serve, se não serve, se vão gostar, se não vão."
Fotografias da ocasião podem ser vistas na exposição, assim como fotocopias, fax, poesia visual e instalações —recursos "deslidos" por Bruscky, comenta o curador, e transformados em arte.
Em uma dessas "desleituras", quatro fotografias de pedrinhas sobre grelhas foram transformadas em partituras, tocadas em um sintetizador pelo músico experimental italiano Luca Mitti. O áudio, que não acompanha as imagens na mostra, pode ser ouvido abaixo:
Divulgação | ||
'Partituras', de 1982, intervenção urbana de Paulo Bruscky em exposição no Centro Cultural Correios São Paulo |
Outro artifício recorrente do artista, exposto nos Correios, são anúncios em jornais e revistas, nos quais Bruscky vendia palavras, poemas e até uma máquina de filmar sonhos.
Bruscky voltou à prática neste sábado (13), nas páginas de classificados da Folha, com a homenagem "SPoema". Quem levar o recorte da publicação à abertura da mostra nesta tarde terá seu pedaço de jornal autenticado por ele como arte.
Também no sábado, às 13h, Bruscky fará uma "pintura efêmera". Não revela o que será, mas promete algo breve como as mensagens destes tempos.
Divulgação | ||
Paulo Bruscky, 'Máquina de Filmar Sonhos', de 1977 |
ARTE É A ÚLTIMA ESPERANÇA
QUANDO de terça a domingo, das 11h às 17h; até 25/1
ONDE Centro Cultural Correios de São Paulo, av. São João, s/nº, tel. (11) 2102-3690
QUANTO grátis