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    Instalação no Masp conta história das sufragistas que atacavam obras de arte

    BEATRIZ MONTESANTI
    DE SÃO PAULO

    17/11/2015 15h07

    Na última quinta-feira (12), enquanto centenas de mulheres se reuniam no vão livre do Masp pelo direito ao aborto, o museu inaugurava uma instalação sobre uma pauta feminista muito mais antiga: o direito ao voto.

    "Elementos de Beleza: um jogo de chá nunca é apenas um jogo de chá", de Carla Zaccagnini, é resultado de cinco anos de pesquisa sobre a ala mais radical do movimento sufragista inglês, que lutou pelo direito ao voto das mulheres no início do século 20.

    Nos anos 1910, como forma de protesto, parte dessas mulheres atacava obras de arte, como as que traziam nus femininos ou representavam a mulher de forma subjugada.

    Na instalação de Zaccagnini, que antes de chegar ao Masp passou pela Holanda, Argentina e pela própria Inglaterra, as obras são representadas por molduras vazias, enumeradas. Diante de cada uma delas, é possível ouvir um áudio de até três minutos contando a história por trás do vácuo ali representado.

    Entre elas está a "Vênus ao Espelho", quadro do espanhol Diego Velázquez produzido no período entre 1647 e 1641. Exposta na National Gallery, de Londres, a obra foi danificada em março de 1914 pela militante Mary Richardson, que deixou pequenos rasgos na tela com o uso de um cutelo.

    "Eu estudei arte e, imagino, me importo tanto com a arte quanto qualquer pessoa que tenha estado na galeria naquela terça-feira de manhã", disse Richardson na época em seu depoimento à polícia. "Porém, me importo mais com justiça do que com arte e, acredito firmemente que quando uma nação fecha os olhos à justiça e prefere torturar, maltratar e abusar de mulheres que lutam por justiça, ações como a minha são compreensíveis", concluía a sufragista.

    Restaurada, a pintura de uma mulher nua, se olhando ao espelho, voltou às paredes do museu, assim como todas as demais 28 obras representadas por Zaccagnini.

    NADA É O QUE PARECE

    A instalação leva o mesmo nome de um livro publicado pela artista em 2012, uma compilação de seus anos de pesquisa sobre o tema.

    Segundo explica o curador Fernando Oliva, "jogo de chá" faz referência a um termo pejorativo usado pela elite britânica do período para se referir às camadas da sociedade com menor poder aquisitivo.

    Por utilizar um tipo de porcelana barata, os mais pobres serviam o leite antes da água quente, para não rachar a xícara —daí o termo "milfy", contração de "milk first" (leite antes).

    Três xícaras e um pires de porcelana chinesa também foram destruídas pelas sufragistas. Eles faziam parte da coleção do Salão Asiático do British Museum, e foram despedaçados entre as vitrines com uma faca de açougueiro.

    "O incidente foi dos mais insanos dentre os que caracterizaram os ataques gratuitos destas mulheres. É evidente que a mulher só buscava obter notoriedade e provocar um altercado com os funcionários", explica Zaccagnini em um dos áudios disponíveis no local.

    Embora pareça uma "vítima menos óbvia" dessas ações, diz, o jogo de chá asiático era uma representação da cultural imperial. "Colocar o leite por último tornou-se uma maneira de mostrar que era a mais fina porcelana que se tinha sobre a mesa." Ou seja, um jogo de chá nunca é apenas um jogo de chá.

    "A instalação não fala apenas do feminismo, mas fala também desta crise de representatividade", comenta Oliva, lembrando mais uma vez das manifestações realizadas na quinta, contra o Projeto de Lei 5.069, do presidente da Câmara Eduardo Cunha, que restringe o direito das mulheres ao aborto.

    "Acho que há uma renovação feminista agora no Brasil e, em particular, em São Paulo, que tem a avenida Paulista e o vão livre do Masp como epicentro", diz.

    Outra feliz coincidência, lembra o curador, é a estreia do filme "As Sufragistas", que também conta a história do movimento feminista inglês. O drama com Carey Mulligan, Meryl Streep e Helena Bonham Carter estreia dia 24 de dezembro no Brasil.

    As Sufragistas

    HISTÓRIAS

    Segundo Oliva, a instalação inaugura uma série no Masp que pretende abordar a história do ponto de vista feminino.

    "Estamos trabalhando com a revisão do conceito de história. Queremos mostrar questões reprimidas ao longo da história da arte", explica.

    No ano que vem, o museu pretende expor os cartazes da Guerrilla Girls, grupo criado nos anos 1980 em Nova York e que reivindicada a igualdade racial e de gênero. Suas militantes ficaram conhecidas pelo uso de máscaras de gorila em aparições públicas.

    Elementos de Beleza: um Jogo de Chá Nunca É Apenas um Jogo de Chá
    QUANDO ter. a dom., das 10h às 18h; qui., das 10h às 20h; até 14/2
    ONDE Masp, av. Paulista, 1578, tel. (11) 3251-5644
    QUANTO R$ 25 e R$ 12 (meia-entrada)

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