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    crítica

    Arrigo Barnabé cria um belo híbrido entre teatro e canto

    SIDNEY MOLINA
    CRÍTICO DA FOLHA

    23/11/2015 02h20

    "Não se pode confiar em um piano sem saber o que ele tem dentro". A frase da ópera "O Homem dos Crocodilos", de Arrigo Barnabé, sintetiza a relação que o compositor estabelece com a linguagem híbrida do espetáculo.

    Teatro e canto são, para ele, "águas perigosas" que, a partir da música, desembocam em um gibi de Luiz Gê (que a plateia recebe e manuseia). Tudo isso corre por dentro da tragicomédia insólita do protagonista Antonio, músico que busca na psicanálise a cura para uma fobia que vê em cada piano um crocodilo em potencial.

    A obra está em cartaz no Theatro São Pedro em espetáculo que traz ainda "Édipo Rei", de Stravinski (1882-1971).

    Lenise Pinheiro/Folhapress
    Sao Paulo,SP, Brasil. Data 16-11-2015. Espetaculo O Homem dos Crocodilos. Atores Arrigo Barnabe (esq) e Ana Amelia.Theatro São Pedro. Foto Lenise Pinheiro/Folhapress
    Arrigo Barnabé e Ana Amelia em 'O Homem dos Crocodilos'

    Arrigo radicaliza o hibridismo sem deixar de ir fundo na autonomia de cada linguagem. Canto lírico (acústico) é interrompido na pura fala, e justaposto à fala-cantada (amplificada) dos narradores (o próprio Arrigo e Ana Amélia). Na música (dirigida por Paulo Braga), uma guitarra elétrica se equilibra com os instrumentos acústicos.

    Na estreia (18), Thiago Pinheiro arrasou como Antonio, e foi bom ver Keyla de Moraes interpretar com desenvoltura o difícil papel da psicanalista; mas os melhores momentos puramente musicais estiveram com Denise de Freitas (como a Mãe).

    Ela mesma alternou microfone e projeção acústica em "Fecho Teus Olhos" (transformada por Arrigo em uma bossa nova arquetípica), só superada pelo dueto com cello "Adormece em Meus Braços".

    A cenografia inspira-se nos quadrinhos de Gê, e a direção de Caetano Vilela aperta no espaço o mundo interior do protagonista, o que dá movimento a uma história que, exteriormente, se passa na estaticidade de um consultório.

    CONTORNO MONOLÍTICO

    Já em "Édipo Rei", Vilela toma o cuidado oposto, que é o de paralisar a visualidade, torná-la um contorno monolítico para as loucuras sonoras de Stravinski. Cantada em latim, a música –cheia de arcaísmos– antecipa em quase dez anos elementos de "Carmina Burana", de Carl Orff (1895-1982).

    A sequência das récitas deve ajudar a Orquestra do Theatro São Pedro (dirigida por Luiz Fernando Malheiro) a tirar mais volume e timbres do som modernista de Stravinski.

    O baixo Gustavo Lassen foi um excelente Tirésias, e Paulo Mandarino esteve muito bem no papel agudo e plano de Édipo, o autoconfiante rei tebano que não sabe já ter consumado a sina terrível de matar o pai e se casar com a mãe.

    Contar com a linda voz de Eliane Coelho como Jocasta é um privilégio, mas não foi fácil ouvi-la claramente nos trechos mais densos com o coro.

    Enfim, Arrigo Barnabé (ele mesmo músico-narrador de sua própria música) interpretou o narrador de "Édipo Rei" com distanciamento certeiro.

    O HOMEM DOS CROCODILOS E ÉDIPO REI
    QUANDO qua. (25) e sex. (27), às 20h; dom. (29), às 17h
    ONDE Theatro São Pedro, r. Dr. Albuquerque Lins, 207, tel. (11) 3667-0499
    QUANTO R$ 20 a R$ 60
    CLASSIFICAÇÃO 10 anos
    AVALIAÇÃO muito bom

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