"Eu me lembro." A frase que antecede a série de experiências resgatadas pelo personagem central de "Três Lembranças de Minha Juventude" remete à nostalgia e à evocação, à busca do tempo perdido que o cinema com seu poder de reconstituição vive usando para fascinar.
No entanto, não se deve esperar do filme dirigido pelo cultuado diretor francês Arnaud Desplechin uma narrativa tradicional, em que o passado costuma ressurgir neutralizado, apagado do que foi negativo, idealizado.
A memória nos filmes desse realizador fascinado pelo cinema de Ingmar Bergman (1918-2007) e influenciado pela psicanálise é traumática e pode se tornar enigmática em seus mergulhos subjetivos.
Além disso, o título "Três Lembranças de Minha Juventude" subentende uma primeira pessoa que poderíamos acreditar ser o próprio diretor mimetizando Bergman, que reencenou sua infância em "Fanny e Alexandre".
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Quentin Dolmaire (à esq.) como o jovem Paul Dédalus em 'Três Lembranças de Minha Juventude', de Arnaud Desplechin |
Trata-se, contudo, de um umbigo ambíguo, pois quem Desplechin repõe em cena é Paul Dédalus, personagem principal de "Como Eu Briguei (por Minha Vida Sexual)", seu segundo longa, de 1996. O sobrenome desse personagem (reinterpretado por Mathieu Amalric quando aparece como adulto) também ecoa o de Stephen Dedalus, alter ego literário de James Joyce.
Apesar de este jogo de referências sugerir um labirinto de espelhos para iniciados, o filme também oferece um relato sedutoramente simples debaixo de sua tentação para a complexidade.
A estrutura distribuída em três partes, relativas à infância, à adolescência e ao início da vida adulta descreve as vivências de Dédalus tal como ele as imagina ou "se lembra".
A infância é, como a de todos, breve, fragmentar, feita de medos e de perguntas sem respostas, um amontoado mais de cacos do que de fatos.
Já a adolescência dura um pouco mais e se torna uma aventura, uma trama política que mistura idealismo e troca de identidade, uma época em que as amizades são definitivas e simbióticas.
O filme trata essas etapas como prólogos, capítulos breves que ocupam apenas um terço da duração do longa.
Na terceira parte, em torno do primeiro amor e das turbulências das paixões juvenis, é que Desplechin afirma com maior vigor a vocação de seu cinema pelo risco.
O vaivém emocional da relação de Paul com Esther pode até irritar nos excessos de psicodrama, mas o episódio oferece uma tal intensidade de vida que nele o diretor se liberta da carga teórica e faz um filme que voa.