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    Chico Teixeira volta a mirar a periferia em 'Ausência', premiado em Gramado

    GUILHERME GENESTRETI
    DE SÃO PAULO

    27/11/2015 02h40

    O adolescente Serginho (Matheus Fagundes) dá duro ajudando o tio na feira. Com seus parcos trocados, vira o arrimo de sua família: um irmão mais novo e uma mãe alcoólatra (Gilda Nomacce), com quem divide um casebre em algum bairro cinzento e empobrecido de São Paulo.

    Vencedor de quatro prêmios Kikito no último Festival de Gramado, incluindo o de melhor filme, "Ausência" é a segunda incursão do diretor Chico Teixeira na ficção. E a segunda vez que ele volta seu olhar naturalista para a vida da classe média baixa paulistana, já visitada no elogiado "A Casa de Alice" (2007).

    "Sinto mais verdade nas pessoas desse estrato social", diz Teixeira. "Favela não me interessa: não me traz a personalidade que eu busco. E a vida da burguesia acho interessante ver no filme dos outros, mas não nos meus."

    Divulgação
    O diretor Chico Teixeira (esq) com os atores Matheus Fagundes (ao centro) e Irandhir Santos no set do filme Ausencia, que estreia em 26/11/2015. exclusivo outro canal (divulgacao) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    O diretor Chico Teixeira (esq.) com os atores Matheus Fagundes (centro) e Irandhir Santos no set do filme "Ausência"

    Em "A Casa de Alice", a trama orbitava em torno de uma manicure e os conflitos aflorados de sua família: o marido adúltero, a mãe envelhecida, o filho que é michê. Da maternidade, que era um dos temas centrais da trama, Teixeira migrou para a paternidade (torta) em "Ausência".

    Filho de um pai que saiu de casa, o adolescente Serginho encontra em Ney, professor de garotos da mesma idade que o menino feirante, algum conforto paterno. Mas mistura carência com a sua sexualidade, que está vindo à tona.

    "Ele quer substituir uma ausência pela outra, mas como tem 15 anos e não elaborou muita coisa, acaba confundindo as coisas", afirma.

    MEDO DE ABANDONO

    "Ausência" tem semelhanças com o vencedor do último Leão de Ouro em Veneza, a coprodução México-Venezuela "Desde Allá", de Lorenzo Vigas: em ambos há a relação tumultuada entre dois homens de diferentes faixas etárias, que misturam voltagem sexual com afeto paternal.

    "Só que o final do outro filme é duro", diz Teixeira. "Busco algo mais esperançoso."

    O registro dos ambientes também tem poucos artifícios: a luz é sempre natural, as locações são sempre reais.

    "Não faço questão de fazer as coisas lindas. Gosto das coisas do jeito que elas são", diz o diretor, oriundo dos documentários: rodou "Carrego Comigo" (2000), sobre irmãos gêmeos, e "Velhice" (1991), sobre a vida solitária em asilos.

    "Morro de medo de abandono", conta. "Perdi o pai com 17 anos, fui deixado por várias namoradas. Não tenho filhos. Me dá medo a ausência", afirma Chico Teixeira.

    Finalizado no ano passado, "Ausência" foi exibido nas edições de 2014 do Festival do Rio e da Mostra de São Paulo. No começo deste ano, foi ao Festival de Berlim e teria entrado no circuito comercial brasileiro em agosto.

    "Em maio, começou a sair sangue da minha boca", diz Chico, diagnosticado naquele mês com um câncer nas amídalas. O tratamento com quimioterapia atrasou o lançamento e o impediu de ir a Gramado receber os Kikitos.

    "Tava carequinha na época, tomando remédio todo dia, a cabeça em outro lugar. Vodca, uiscão e cachacinha nunca mais", brinca Teixeira, que recebeu alta em setembro.

    O diretor já tem argumento para um terceiro longa de ficção, "Dolores", que deve girar em torno de uma sessentona solitária. O universo? "Não tem jeito", responde Chico Teixeira. "Vai ser mais um sobre a classe média baixa."

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