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    Jorge Caldeira dissipa clichês sobre o país em coletânea de ensaios

    MAURICIO PULS
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    10/12/2015 02h50

    Em "Nem Céu Nem Inferno", o cientista político Jorge Caldeira procura dissolver alguns clichês sobre a história nacional. Crítico da visão de que a economia metropolitana constituía "o motor da história" do Brasil colonial, Caldeira ressalta a primazia dos fatores internos na dinâmica social do país.

    Por que essas particularidades locais permaneceram ignoradas por tanto tempo? Em parte porque a intelectualidade brasileira sempre descartou informações provenientes de fontes populares, como observa o autor em seu ensaio sobre "Frei Vicente do Salvador e o Caranguejo Original" –um dos 16 reunidos no livro recém-lançado pelo selo Três Estrelas, do Grupo Folha.

    Caldeira assinala que, em sua "História do Brasil", frei Vicente criou "um modelo excludente de interpretação", que apaga da narrativa histórica a massa de fatos relatados pelos sujeitos iletrados. Com isso, fundou uma "estratégia narrativa de grande eficiência: o historiador conta de maneira limitada, mas justifica a sua limitação definindo-a como distinção social".

    Eduardo Knapp/Folhapress
    SAO PAULO,SP. BRASIL. 30.03.2010. Historiador Jorge Caldeira segura um poster com desenho de uma mameluca (filha de indio com negro) em seu escritorio na editora Mameluco, em Sao Paulo (foto Eduardo Knapp/FOLHA IMAGEM. Mais)
    O escritor e jornalista Jorge Caldeira com quadro de mameluca no escritório da sua editora Mameluco, em São Paulo

    Esse método de pensar o Brasil produziu modelos teóricos ambiciosos –apoiados em documentos governamentais ou eclesiásticos, textos de nobres ou intelectuais–, mas insuficientes para esclarecer diversos fenômenos. As limitações empíricas dessa metodologia "erudita" se tornam mais evidentes à medida que as informações antes desprezadas hoje permitem entrever uma estrutura social muito mais complexa e nuançada.

    Nem Céu Nem Inferno
    Jorge Caldeira
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    Como disse Caldeira à Folha, "os esquemas teóricos dominantes foram montados numa documentação que tem um viés no governo central". Hoje, contudo, é possível "ver melhor uma gigantesca economia informal e empreendedora baseada no fiado, vinda desde o século 16, e uma estrutura política, também pouco notada, de um poder local democrático que dava sustentação institucional a ela".

    O desconhecimento desse substrato social ajuda a explicar a pouca importância que os estudiosos concedem à tradição democrática do país: a primeira eleição no Brasil ocorreu em 1532, em São Vicente. Seguiram-se eleições em Olinda, em 1541, e em Salvador, em 1549.

    Como nota Caldeira, em todo o período colonial não houve, no Brasil, vila "em que as eleições deixassem de ser realizadas regularmente". Após a Independência, a prática democrática é ampliada. Em 1826 um Parlamento eleito passa a funcionar no país e já está na 55ª Legislatura –52 "foram completadas regularmente, com os eleitos tomando posse e passando o cargo a sucessores também eleitos".

    DE BAIXO PARA CIMA

    Ora, "é muito difícil atribuir esse comportamento geral à ação da autoridade central ou de uma elite letrada. Ele claramente nasceu nos tempos coloniais, antes da democracia burguesa, de baixo para cima, com apoio dos deserdados, contra os representantes do poder real".

    Segundo Caldeira, "votar foi um valor da sociedade mestiça, não dos letrados, que tratavam o povo como pessoas insignificantes". Talvez por isso muitos intelectuais ainda sustentem que "não há democracia na história do Brasil". É um sinal de que os teóricos não estão "tão preparados para explicar a democracia como o povo está preparado para votar".

    Além desses temas, Caldeira discorre sobre instituições (como o papel dos templários no "Descobrimento do Brasil"), figuras públicas (José Bonifácio, Diogo Feijó, João Cândido) e história econômica –da "teoria do valor tupinambá" até a ausência do Brasil em "O Capital no Século 21".

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