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    CRÍTICA

    Revisão histórica de Caldeira retrata nova visão de nós mesmos

    JOEL PINHEIRO DA FONSECA
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    10/12/2015 02h58

    A visão de senso comum a respeito de nossa história não é exatamente positiva. O Brasil seria um país sem tradição democrática, acostumado à pobreza, composto por uma população analfabeta e passiva. Nossa economia se resumia aos latifúndios de exportação baseados no trabalho escravo. Para ir além, sempre dependemos do Estado.

    Na recém-lançada coletânea de artigos "Nem Céu Nem Inferno", Jorge Caldeira promove uma revisão do senso comum. De seus artigos, publicados ao longo das últimas duas décadas, emerge um Brasil que tem profunda tradição democrática, tendo Parlamento atuante há 200 anos e eleições de vereador desde o século 16. Contou ainda com eleições bastante livres até fins do século 19, com voto de analfabetos e ascensão de negros e pobres ao Parlamento.

    Eduardo Knapp/Folhapress
    SAO PAULO,SP. BRASIL. 30.03.2010. Historiador Jorge Caldeira, em seu escritorio na editora Mameluco, em Sao Paulo (foto Eduardo Knapp/FOLHA IMAGEM. Mais)
    Jorge Caldeira no escritório da sua editora Mameluco, em São Paulo

    Na economia, outra surpresa: sempre fomos um país de empreendedores e pequenos proprietários em um mercado interno dinâmico; de gente que se aventurava pelo sertão em busca de lucro muito antes de as autoridades o mapearem. Os indivíduos buscaram resolver seus problemas independentemente –e muitas vezes à revelia– do poder estatal, conflito ilustrado pela sabotagem ao Barão de Mauá. O pequeno empreendimento –e não o latifúndio exportador– era a regra em um país em que homens livres eram 74% da população.

    Nessa história de pequenos personagens, alguns notáveis se destacaram e merecem ensaios próprios. Além do já mencionado Barão de Mauá, há ensaios sobre João Cândido, o marinheiro negro e líder da revolta da chibata; o padre Diogo Antônio Feijó, homem comum que foi eleito regente do Brasil; e aquele que mais evidentemente recebe a admiração do autor, José Bonifácio, que já na Independência vislumbrava uma grande nação fundada na tolerância e no cruzamento das raças.

    Outro personagem central é o Congresso, única instância do Estado que realmente representa a população brasileira. Palco da política da conciliação e da negociação, ele se opõe à imposição autoritária, de cima para baixo, preferida pelo Executivo em tantos momentos. Seja qual for nossa avaliação de seu papel, os dias que correm parecem confirmar a tese de Caldeira: é a instituição central da vida política nacional.

    Como o título sugere, o objetivo não é pintar um Brasil róseo, democrático, tolerante e liberal. Nossa realidade é composta de elementos bons e ruins, modernos e medievais. A verdade se situa entre o céu e o inferno.

    Nem Céu Nem Inferno
    Jorge Caldeira
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    Nessa revisão histórica, Caldeira não está apenas narrando fatos pouco conhecidos ou anedotas curiosas, mas fornecendo dados para uma nova visão de nós mesmos. Encarar a história do Brasil sem complexo de inferioridade, abertos à riqueza de nosso passado, fornece a matéria-prima para pensarmos aquilo que podemos e queremos ser.

    NEM CÉU NEM INFERNO
    AUTOR Jorge Caldeira
    EDITORA Três Estrelas
    QUANTO R$ 45 (328 págs.)

    JOEL PINHEIRO DA FONSECA é ensaísta e mestre em filosofia.

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