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    CRÍTICA

    Produzido na raça, filme sobre Boca do Lixo tem viés saudosista

    SÉRGIO ALPENDRE
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    11/12/2015 02h50

    "Memórias da Boca" é o tipo raro de filme irregular, mas que deve ser visto por quem tem interesse em cinema. O motivo é simples: o momento de ouro da Boca do Lixo paulistana foi um dos poucos em que uma espécie de indústria cinematográfica deu certo no Brasil. Certamente foi o último –desde a retomada ficamos reféns de editais e suas contrapartidas comprometedoras.

    Na Boca, tinha serviço para todos. Técnicos e diretores diziam que, ao terminar um filme, iam ao Soberano, bar que reunia toda a gente de lá, e logo encontravam novo trabalho.

    É mentira que os filmes são todos fracos. Durante os anos 1970 e início dos anos 1980, por exemplo, saíram de lá maravilhas como "A Ilha dos Prazeres Proibidos" (Carlos Reichenbach, 1977), "Snuff - Vítimas do Prazer" (Claudio Cunha, 1977) e "A Mulher Que Inventou o Amor" (Jean Garrett, 1980). Além destes três, circulavam pela Boca talentos como Ody Fraga, Tony Vieira, John Doo, Davi Cardoso e José Mojica Marins, nem todos lembrados no filme.

    Jesus Carlos
    Making of e fotos de cena do episódio Auto Filmagem, direção Zé do Caixão, do filme Memórias da Boca. São Paulo, SP. Foto: Jesus Carlos. ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    José Mojica Marins grava o filme "Memórias da Boca"

    Havia nudez gratuita, sim senhor. E as deficiências técnicas eram flagrantes. Mas havia muita paixão, apuro estético, mise-en-scène, enquanto em quase todos os filmes populares de hoje há técnica de sobra e cinema de menos.

    As atrizes brilhavam: Aldine Müller, Helena Ramos, Patricia Scalvi, Matilde Mastrangi, Zilda Mayo, Neide Ribeiro, Elizabeth Hartman... As duas últimas aparecem num bate-papo ficcional e tenso, em que relembram os filmes nos quais atuaram.

    "Memórias da Boca", feito na raça e com baixíssimo orçamento, tem esse lado saudosista muito forte. São oito episódios dirigidos por diferentes diretores: Alfredo Sternheim, Mário Vaz Filho, Clery Cunha, Valdir Baptista, Diomédio Piskator, Tony Ciambra, Diogo Gomes dos Santos e José Mojica Marins.

    Os episódios ficcionais são mais fracos. Podem funcionar como homenagens, mas uma coisa é a escassez técnica, outra é a realização problemática. O trecho de Tony Ciambra, por exemplo, do encanador que entra por acidente na casa de uma prostituta, tem até momentos engraçados, mas as ideias visuais são fracas.

    O melhor episódio da obra é o de Mário Vaz Filho, que relembra quatro companheiros de trabalho que partiram: Jean Garrett, Ody Fraga, Cláudio Portioli e Antonio Moreira.

    MEMÓRIAS DA BOCA
    DIREÇÃO Alfredo Sternheim, Mário Vaz Filho, Clery Cunha, Valdir Baptista, Diomédio Piskator, Tony Ciambra, Diogo Gomes dos Santos e José Mojica Marins
    ELENCO Elisabeth Hartmann, José Mojica Marins, Mel Lisboa
    PRODUÇÃO Brasil, 2015; 14 anos
    QUANDO em cartaz

    Edição impressa

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