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    CRÍTICA

    Impunidade é protagonista na tragédia do Bateau Mouche

    LUIZ FERNANDO VIANNA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    12/12/2015 02h23

    A classificação de "Bateau Mouche - Uma Tragédia Brasileira" como "livro-reportagem" é imprecisa. A obra de Ivan Sant'Anna sobre o naufrágio que matou 55 pessoas no Rio de Janeiro não chega a ser uma reportagem muito boa. Mas é um livro muito bom.

    O escritor entrevistou sete pessoas, sendo duas por telefone. A magreza de depoimentos enfraquece o resultado. A repetição de informações na narrativa também não ajuda.

    A compensação vem de consultas a material de imprensa e processos. A detalhada reconstituição do que aconteceu na noite de 31 de dezembro de 1988 é um dos maiores trunfos da obra.

    Divulgação
    NAUFRAGIO - RIO - BATEAU MOUCHE FOTO PRODUZIDA EM 02/01/89FOTO: JOÃO CERQUEIRA/CPDOC JB/DIVULGAÇÃO ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    A embarcação depois do naufrágio que levou 55 pessoas à morte no réveillon de 1989

    O outro é a capacidade do autor de prender a atenção do leitor, já demonstrada nas obras anteriores sobre desastres aéreos. Lê-se o livro com rapidez, tensão e até ódio.

    Explica-se o ódio no subtítulo "Uma Tragédia Brasileira": Sant'Anna faz a crônica de um naufrágio anunciado, uma desgraça que poderia ter sido evitada, não fossem a inépcia, a corrupção, a ganância.

    Construído no início dos anos 1970, o Bateau Mouche IV era a transformação grosseira de um lagosteiro com capacidade para 20 pessoas num barco de passeio autorizado a levar 153.

    No réveillon trágico, transportava 142 ou 143 –não se sabe ao certo, pois nenhum responsável se preocupou em contar naquela noite. Permitida pela Capitania dos Portos, a lotação temerária se tornava criminosa diante do estado precário da embarcação, que tinha, entre outros problemas, seis furos no casco. A Capitania não viu.

    O mestre arrais Camilo Faro, cuja decisão de levar o barco até Copacabana para o espetáculo dos fogos resultou no naufrágio, voltou ao cais por volta de 22h15, acompanhado de dois sargentos da Marinha. Tinha noção do perigo. Mas a insistência dos donos do barco fez o Bateau Mouche IV retomar sua jornada. Ele virou por volta de 23h50 e afundou de vez vinte minutos depois.

    A tragédia só não teve mais vítimas porque Jorge Souza Viana, dono de uma traineira, e Oscar Gabriel Júnior, de um iate, salvaram dezenas de pessoas. Já um sócio do Iate Clube se recusou a zarpar para ajudar quem se afogava.

    Bateau Mouche
    Ivan Sant'Anna
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    Morreram a atriz Yara Amaral, crianças, idosos, gente que sabia e não sabia nadar. Não havia coletes salva-vidas para todos –e o acesso aos que havia não era fácil.

    O português Álvaro Pereira da Costa e os espanhóis Avelino Rivera e Faustino Puertas Vidal, donos da Bateau Mouche Rio Turismo, chegaram a ser condenados por homicídio culposo, mas fugiram para a Europa e nunca retornaram.

    Após 27 anos, as famílias das vítimas ainda buscam indenizações na Justiça. Só uma conseguiu até hoje. O país em que coisas como essas acontecem é o protagonista oculto do livro de Sant'Anna.

    BATEAU MOUCHE – UMA TRAGÉDIA BRASILEIRA
    AUTOR Ivan Sant'Anna
    EDITORA Objetiva
    QUANTO R$ 23,90 (168 págs.)

    Edição impressa

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